a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“Colorado” a pular sobre uma cerca <strong>de</strong> pedr<strong>as</strong>. Caiu sobre ela e bateu a cabeça. Ironicamente,<br />
a cerca que o matou fora construída pelo pai.<br />
Miguel foi um cadáver que pesou muito no ânimo <strong>de</strong> todos, diz o <strong>na</strong>rrador. Para Luis<br />
Ortega Galindo (1984), o “pesar” tem um sentido moral <strong>de</strong> sofrimento. “A mi me dolió<br />
mucho ese muerto - dijo Terencio Lubianes. Todavía traigo adoloridos los ombros 186 ”. Para<br />
esse crítico o verbo pesar foi substituído por doer, m<strong>as</strong> em outro contexto. O que era moral se<br />
transformou em físico. E o que era sério - no primeiro momento - transformou-se em piada.<br />
Afirma o crítico que, sendo Pedro Páramo um romance tão mortuário, seu autor precisou<br />
incluir o anedótico 187 .<br />
Na <strong>morte</strong> <strong>de</strong> Miguel, Pedro Páramo se lembrou <strong>de</strong> que - quando morreu seu pai Luc<strong>as</strong><br />
Páramo - o céu também estava plúmbeo e cinza, como se a noite já fosse começar. A <strong>morte</strong> <strong>de</strong><br />
Luc<strong>as</strong> Páramo se refletia <strong>na</strong> <strong>morte</strong> <strong>de</strong> Miguel Páramo, indicando o tempo estático da <strong>morte</strong><br />
que entrevê a <strong>morte</strong> <strong>de</strong> um e <strong>de</strong> outro.<br />
Essa <strong>morte</strong> é contada vári<strong>as</strong> vezes <strong>na</strong> <strong>na</strong>rrativa, tamanha é a negativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />
perso<strong>na</strong>gem no contexto <strong>na</strong>rrativo. A <strong>morte</strong> do filho traz implícita a <strong>morte</strong> do “Colorado”.<br />
Com o p<strong>as</strong>samento do dono, o cavalo sofria mais que o próprio pai <strong>de</strong> Miguelito. Pedro<br />
Páramo mandou que Fulgor Sedano mand<strong>as</strong>se sacrificar o animal - para que <strong>de</strong>ix<strong>as</strong>se <strong>de</strong><br />
sofrer a ausência <strong>de</strong> Miguel.<br />
Na noite em que Miguel morreu o padre Renteria não conseguiu dormir. Levantou-se<br />
e saiu solitário pel<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> igualmente solitári<strong>as</strong> <strong>de</strong> Comala, espantando com seus p<strong>as</strong>sos os<br />
cachorros que farejavam o lixo. Foi até o rio e observou no remanso o reflexo d<strong>as</strong> estrel<strong>as</strong> que<br />
caíam do céu. Ali p<strong>as</strong>sou hor<strong>as</strong>, jogando seus pensamentos n<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> escur<strong>as</strong> do rio. Percebeu<br />
que <strong>na</strong>da fazia pela mudança <strong>de</strong> Pedro Páramo. Lembrou do dia em que foi entregar o menino<br />
recém-n<strong>as</strong>cido e da reação <strong>de</strong> Pedro diante do pequenino - que se retorcia como uma víbora.<br />
Sem dúvida, Renteria e seus paroquianos ficaram aliviados com a <strong>morte</strong> <strong>de</strong> Miguel Páramo.<br />
Tanto mal ele fazia que, Gerardo, o advogado da família, conseguiu livrá-lo da ca<strong>de</strong>ia um<strong>as</strong><br />
quinze vezes. Portanto a <strong>morte</strong> <strong>de</strong> semelhente perso<strong>na</strong>gem gerou piad<strong>as</strong> e risad<strong>as</strong> <strong>de</strong>pois do<br />
enterro.<br />
186<br />
I<strong>de</strong>m, “Me doeu muito esse morto - disse Terencio Lubianes -. Tenho ainda doloridos os ombros”.<br />
p. 227.<br />
187<br />
Cf. GALINDO, L. Ortega Expresión y Sentido <strong>de</strong> Juan Rulfo, José P. Turanz<strong>as</strong>, S.A. Madrid 1984 p.<br />
285.286<br />
78