a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O <strong>na</strong>rrador mantém-se implacável. “Nada que um possa fazer pelo outro trará qualquer<br />
re<strong>de</strong>nção 116 ”.<br />
O conto traz uma <strong>na</strong>rrativa não-linear, iniciando o enredo pelo fi<strong>na</strong>l: quando os<br />
perso<strong>na</strong>gens, Natalia e seu cunhado, regressam da peregri<strong>na</strong>ção. Aos poucos vai se<br />
<strong>de</strong>senvolvendo a <strong>na</strong>rrativa, <strong>de</strong> modo a apontar para os fios condutores que a permeiam,<br />
<strong>de</strong>svelando-se por todo o conto. Cada perso<strong>na</strong>gem, com seu objetivo, segue fervoroso por um<br />
caminho que parece infindo. Natalia e o cunhado conhecem <strong>as</strong> du<strong>as</strong> versões para efetivarem a<br />
peregri<strong>na</strong>ção. Tanilo acredita num único propósito. Vai morrendo lentamente - como uma flor<br />
furtada à beira do caminho, separada da seiva. Vai murchando, <strong>de</strong>ixando-se arr<strong>as</strong>tar como um<br />
animal que é levado ao matadouro. Já não tem sequer o direito da escolha. Seus companheiros<br />
temem por sua sobrevivência e não toleram essa idéia, pois “Lo llevamos a Talpa para que se<br />
muriera 117 ”. O objetivo <strong>de</strong> Natalia e <strong>de</strong> seu cunhado é explícito, claro, violento e seguro. Um<br />
duelo <strong>de</strong>sleal. O primeiro quer a vida. Os outros dois a <strong>morte</strong>. Os dois querem a ausência.<br />
Tanilo, a presença. Os dois querem sepultá-lo, m<strong>as</strong> ele quer permanecer. Os dois querem ficar<br />
a sós. Tanilo quer acompanhá-los. Os dois falam, e Tanilo prefere o silêncio e a reflexão. Os<br />
dois voltam <strong>de</strong>solados. Tanilo os acompanha com sua presença fant<strong>as</strong>magórica. Após a <strong>morte</strong><br />
<strong>de</strong> Tanilo, ao voltarem para c<strong>as</strong>a, os amantes, ensimesmados, vivem o remorso provocado<br />
pela culpa. A <strong>morte</strong> <strong>de</strong> Tanilo não os aproximou. O êxito transformara-se em frac<strong>as</strong>so total. E<br />
a razão disso nos dá o <strong>na</strong>rrador, irmão do morto:<br />
“porque la cosa es que a Tanilo Santos entre Natalia y yo lo matamos. Lo llevamos a<br />
Talpa para que se muriera. Y se murió. Sabíamos que no aguantaría tanto camino; pero <strong>as</strong>í y<br />
todo, lo llevamos empujándolo entre los dos, pensando acabar con él para siempre 118 ”.<br />
Tanilo entrou <strong>na</strong> igreja, carregado n<strong>as</strong> cost<strong>as</strong> pelo irmão. E, ali, ajoelhado junto à<br />
Natalia, o enfermo começa a rezar. M<strong>as</strong> uma imensa lágrima apaga a luz da vela - símbolo do<br />
último sopro <strong>de</strong> vida que faltava ser extinto. É o momento em que a <strong>morte</strong> se revela <strong>na</strong><br />
sombra da vela apagada. Ainda <strong>as</strong>sim, antes que a <strong>morte</strong> se consum<strong>as</strong>se, o enfermo, a gritos,<br />
continuou rezando por mais uns instantes, <strong>de</strong>pois "se había quedado quieto, con la cabeza<br />
recargada en sus rodill<strong>as</strong> 119 ”. Morreu sem que percebessem. Não pô<strong>de</strong> chamar atenção. O<br />
irmão - ao observar que o mundo ao redor continuava vivo e que a “virgem” ali estava<br />
116<br />
BLOOM, Harold. Como e por que ler. Trad. José R.O’ Shea. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Objetiva, 2001, p.36.<br />
117<br />
RULFO, Juan. Obra Completa. México: Biblioteca Ayacucho, 1985, p. 34. “O levamos a Talpa para que<br />
morresse”.<br />
118<br />
I<strong>de</strong>m p. 34. “Porque o fato é que Natalia e eu matamos Tanilo. O levamos a Talpa para que morresse. E<br />
morreu. Sabíamos que não agüentaria tanto caminho; mesmo <strong>as</strong>sim o levamos, empurrando-o entre os dois,<br />
pensando acabar com ele para sempre”.<br />
119<br />
RULFO, Juan. Obra Completa. México: Biblioteca Ayacucho, 1985, p. 40. “Havia ficado quieto, com a<br />
cabeça apoiada nos joelhos.”<br />
57