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O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...

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X<br />

Bem diferente esta exaltação deliciosa do abati<strong>me</strong>nto espavorido<br />

da véspera, da manhã <strong>me</strong>smo, na secretaria da Instrução Pública. A<br />

expectativa mortal das chamadas; uma insignificância: o terror<br />

acadêmico! que nos sobressalta, que nos depri<strong>me</strong> como o que há de<br />

mais grave. E por ocasião das provas de francês já não era estreante.<br />

A estréia do pri<strong>me</strong>iro exa<strong>me</strong> foi de fazer febre. Três dias antes<br />

pulavam-<strong>me</strong> as palpitações; o apetite desapareceu; o sono depois do<br />

apetite; na manhã do ato, as noções mais ele<strong>me</strong>ntares da matéria com<br />

o apetite e com o sono. Memoria in albis.<br />

O professor Mânlio animava; a animação, lembrando o perigo,<br />

assustava mais. Esmagava-<strong>me</strong> por antecipação o peso enor<strong>me</strong> da<br />

bastilha da Rua dos Ourives, como os tribunais ferozes, sem apelo; a<br />

terrível campainha penetrante da abertura da solenidade, os<br />

reposteiros plúmbeos de espesso verde, sopesando as armas imperiais,<br />

as formidáveis paredes de alvenaria secular. Que barbaridade aquela<br />

conspiração toda contra mim, contra um, de todos aqueles perfis<br />

rebarbativos, contínuos, o Matoso, o Neves Leão, as comissões, qual<br />

mais poderosa e carrancuda; o Conselho da Instrução no fundo, coisa<br />

desconhecida, mitológica, entrevista como as pinturas religiosas das<br />

abóbadas sombrias, onde as vozes da nave engrossam de ressonância,<br />

emprestando a força moral à justiça das comissões, com o prestigio da<br />

elevação e do inacessível; mais alto que tudo, o Ministro do império, o<br />

Executivo, o Estado, a Ordem Social, aparato enor<strong>me</strong> contra uma<br />

criança.<br />

Entrava-se pela Rua da Assembléia, para o saguão ladrilhado.<br />

Ali estive não sei que tempo, como um condenado em oratório.<br />

Em redor de mim, morriam de palidez outros infelizes, esperando a<br />

chamada. Um, o mais velho de todos, cadavérico, ar de Cristo, tinha a<br />

barba rente, pretíssima, como um queixo de ébano adaptado a uma<br />

cara de marfim velho.<br />

De repente abre-se uma porta. De dentro, do escuro, saia uma voz,<br />

uma lista de no<strong>me</strong>s: um, outro, outro... ainda não era o <strong>me</strong>u... Afinal!<br />

Não houve nem tempo para um desmaio. Empurraram-<strong>me</strong>; a porta

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