O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...
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esplendor revestia aquele espetáculo. Era a pri<strong>me</strong>ira vez que <strong>me</strong><br />
encantavam assim aquelas gradações de verde, o verde-negro, de<br />
faiança, luzente da hera, o verde flutuante mais claro dos bambus, o<br />
verde claríssimo do campo ao longe sobre o muro, em todo o fulgor da<br />
manhã. Tetos de casas, que novidade! que novidade o perfil de uma<br />
chaminé riscando o espaço! Ema entregava-se, como eu, ao prazer dos<br />
olhos. Sustinha-<strong>me</strong> em leve enlace; tocava-<strong>me</strong> com o quadril em<br />
descanso.<br />
Absorvendo-<strong>me</strong> na contemplação da manhã, penetrado de ternura,<br />
inclinei a cabeça para o ombro de Ema, como um filho, entrecerrando<br />
os cílios, vendo o campo, os tetos ver<strong>me</strong>lhos como coisas sonhadas<br />
em afasta<strong>me</strong>nto infinito, através de um tecido vibrante de luz e ouro.<br />
Desde essa ocasião, fez-se-<strong>me</strong> desesperada necessidade a<br />
companhia da boa senhora. Não! eu não amara nunca assim a minha<br />
mãe. Ela andava agora em viagem por países remotos, como se não<br />
vivesse mais para mim. Eu não sentia a falta. Não pensava nela...<br />
Escureceu-<strong>me</strong> as recordações aquele olhar negro, belo, poderoso,<br />
como se perdem as linhas, as formas, os perfis, as tintas, de noite, no<br />
aniquila<strong>me</strong>nto unifor<strong>me</strong> da sombra... Bem pouco, um resto desfeito de<br />
saudades para aquela inércia intensa, avassalando.<br />
Apavorava-<strong>me</strong> apenas um susto, alarma eterno dos felizes,<br />
azedu<strong>me</strong> insanável dos <strong>me</strong>lhores dias: não fosse subita<strong>me</strong>nte<br />
destruir-se a situação. A convalescença progredia; era um desgosto.<br />
No pequeno aposento da enfermaria, encerrava-se o <strong>mundo</strong> para<br />
mim. O <strong>me</strong>u passado eram as lembranças do dia anterior, um especial<br />
afago de Ema, uma atitude sedutora que se <strong>me</strong> firmava na <strong>me</strong>mória<br />
como um painel presente, as duas covinhas que eu beijava, que ela<br />
deixava dos cotovelos no colchão premido, ao partir, depois da última<br />
visita à noite, em que ficava como a esperar que eu dormisse,<br />
apoiando o rosto nas mãos, os braços na cama, impondo-<strong>me</strong> a letargia<br />
magnética do vasto olhar.<br />
O <strong>me</strong>u futuro era o despertar precoce, a ansiada esperança da<br />
pri<strong>me</strong>ira visita. Saltava da cama, abria imprudente<strong>me</strong>nte a vidraça, a<br />
veneziana. Ainda escuro. Uma luz em frente, longínqua, irradiava<br />
solitária, reforçando pelo contraste a obscuridade. Por toda a parte