O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...
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Contudo Sanches, como os mal-intencionados, fugia dos lugares<br />
concorridos. Gostava de vaguear comigo, à noite, antes da ceia,<br />
cruzando cem vezes o pátio de pouca luz, cingindo-<strong>me</strong> nervosa<strong>me</strong>nte,<br />
estreita<strong>me</strong>nte até levantar-<strong>me</strong> do chão. Eu aturava, imaginando em<br />
resignado silêncio o sexo artificial da fraqueza que definira Rebelo.<br />
Estimulado pelo abandono, que lhe parecia assenti<strong>me</strong>nto tácito,<br />
Sanches precipitou um desenlace. Por uma tarde de aguaceiro<br />
errávamos pelo saguão das bacias, escuro, úmido, recendendo ao<br />
cheiro das toalhas mofadas e dos ingredientes dentifrícios, solidão<br />
favorável, multiplicada pelos obstáculos à vista que ofereciam<br />
enor<strong>me</strong>s pilares quadrados em ordem a sustentar o edifício, —<br />
quando, sem transição, o companheiro chegou-<strong>me</strong> a boca ao rosto e<br />
falou baixinho.<br />
Só a voz, o simples som covarde da voz, rastejante, colante, como se<br />
fosse cada sílaba uma lesma, horripilou-<strong>me</strong>, feito o contato de um<br />
suplício i<strong>mundo</strong>. Fingi não ter ouvido; mas houve intima<strong>me</strong>nte a<br />
explosão de todo o <strong>me</strong>u asco por se<strong>me</strong>lhante indivíduo e muito calmo,<br />
desviando apenas a vista, pretextei a falta de um lenço, que <strong>me</strong><br />
endefluxara a friagem e... fui buscá-lo.<br />
Fora da zona magnética em que <strong>me</strong> cativava o bom amigo,<br />
concertaram-se os <strong>me</strong>us instintos sopitados de revolta e Sanches<br />
passou a ser um desconhecido. Sacrificava-se de golpe o amigo, o<br />
explicador e o vigilante: um rasgo de heroicidade. Ao pri<strong>me</strong>iro<br />
encontro depois do rompi<strong>me</strong>nto, o ho<strong>me</strong>m viu que estava tudo<br />
acabado. Andou a rondar-<strong>me</strong>, temperando o olhar com um brilho de<br />
facadas.<br />
A ocasião é que não era a <strong>me</strong>lhor para o conflito. Conveniências do<br />
ensino tinham feito dividir-se em duas turmas a aula do Professor<br />
Mânlio, e eu fora incluído na seção confiada ao Sanches, como<br />
auxiliar idôneo. A conseqüência foi o que devia ser. Maltratado e<br />
condenado pelo ajudante, provando mal em razão do sobressalto no<br />
exa<strong>me</strong> de verificação a que <strong>me</strong> sujeitou o professor, desmoralizado em<br />
repreensão solene com grande regozijo do Sanches, jurei vingança.<br />
Escandalizaria o <strong>mundo</strong> com uma vadiação sem exemplo! Percorrera<br />
a matéria toda em rápida antecipação de estudo. Isto, porém, não<br />
bastava. Bastasse! foi o <strong>me</strong>u lema. E toca a desandar. Fiquei abaixo do