O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...
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firma<strong>me</strong>nto limpo. O mais completo silêncio. Dir-se-ia ouvir no<br />
silêncio azul das alturas a crepitação das estrelas ardendo.<br />
Eu tornava ao leito. Esperava. Não dormia mais. Ao fim de muito<br />
tempo, entrava na enfermaria, vinha ter aos lençóis, de mansinho,<br />
como uma insinuação derramada de leite, a pri<strong>me</strong>ira manifestação da<br />
alvorada. O arvoredo movia-se fora com um bulício progressivo de<br />
folhagem que acorda. A luz <strong>me</strong>iga, receosa, desenvolvia-se doce<strong>me</strong>nte<br />
pelo soalho, pelas paredes.<br />
Havia no aposento um grande cromo de paisagem, montanhas de<br />
neve no fundo, mais à vista, uma vivenda desmantelada, uma<br />
cachoeira de anil e pinheiros espectrais, trabalhados, encanecidos por<br />
um século de tor<strong>me</strong>ntas. A madrugada subia ao quadro, como se<br />
amanhecesse também na região dos pinheiros. Eu esperando. A<br />
madrugada progredia.<br />
Toucava-se a vegetação de cores diurnas. Dialogava o pri<strong>me</strong>iro<br />
trilar da passarada. Eu esperando ainda. E ela vinha... com a aurora.<br />
Trouxe-<strong>me</strong> uma vez uma carta, de Paris, de <strong>me</strong>u pai.<br />
“... Salvar o mo<strong>me</strong>nto presente. A regra moral é a <strong>me</strong>sma da<br />
atividade Nada para amanhã, do que pode ser hoje; salvar o presente<br />
Nada mais preocupe. O futuro é corruptor, o passado é dissolvente, só<br />
a atualidade é forte. Saudade, uma covardia, apreensão outra covardia.<br />
O dia de amanhã transige; o passado entristece e a tristeza afrouxa.<br />
Saudade, apreensão, esperança, vãos fantasmas, projeções inanes<br />
de miragem; vive apenas o instante atual e transitório. É salvá-lo!<br />
salvar o náufrago do tempo.<br />
Quanto a linha de conduta: para diante. É a honesta lógica das<br />
ações.<br />
Para diante, na linha do dever, é o <strong>me</strong>smo que para cima. Em<br />
geral, a despesa de heroísmo é nenhuma. Pensa nisto. Para que a<br />
<strong>me</strong>ntira prevaleça, é mister um sistema completo de <strong>me</strong>ntiras<br />
harmônicas. Não <strong>me</strong>ntir é simples.<br />
... Estou numa grande cidade, interessante, movi<strong>me</strong>ntada. As casas<br />
são mais altas que lá; em compensação, os tetos, mais baixos.<br />
Dir-se-ia que o andar de cima esmaga-nos. E como cada um tem sobre