O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...
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ao Rebelo, certa efeminação pode existir como um período de<br />
constituição moral. Esti<strong>me</strong>i-o feminina<strong>me</strong>nte, porque era grande,<br />
forte, bravo; porque <strong>me</strong> podia valer; porque <strong>me</strong> respeitava, quase<br />
tímido, como se não tivesse animo de ser amigo. Para <strong>me</strong> fitar<br />
esperava que eu tirasse dele os <strong>me</strong>us olhos. A pri<strong>me</strong>ira vez que <strong>me</strong><br />
deu um presente, gracioso livro de educação, retirou-se corado, como<br />
quem foge. Aquela timidez, em vez de alertar, enternecia-<strong>me</strong>, a mim<br />
que aliás devia estar prevenido contra escaldos de água fria.<br />
interessante é que vago ele<strong>me</strong>nto de materialidade havia nesta afeição<br />
de criança, tal qual se nota em amor, prazer do contato fortuito, de um<br />
aperto de mãos, da emanação da roupa, como se absorvêssemos um<br />
pouco do objeto simpático.<br />
Na biblioteca, Bento Alves escolhia-<strong>me</strong> as obras: imaginava as que<br />
<strong>me</strong> podiam interessar; e propunha a compra, ou as comprava e<br />
oferecia ao Grêmio, para dispensar-se de mas dar direta<strong>me</strong>nte. No<br />
recreio não andávamos juntos; mas eu via de longe o amigo, atento,<br />
seguindo-<strong>me</strong> o seu olhar como um cão de guarda.<br />
Soube depois que a<strong>me</strong>açava torcer o pescoço a quem pensasse apenas<br />
em <strong>me</strong> ofender; seu irmão adotivo! confirmava.<br />
Eu, que desde muito assumira entre os colegas um belo ar de impávida<br />
altania, modificava-<strong>me</strong> com o amigo, e <strong>me</strong> sentia bem na submissão<br />
voluntária, como se fosse artificial a bravura, à maneira da conhecida<br />
petulância feminina.<br />
A malignidade do Barbalho e seu grupo não dormia. Tre<strong>me</strong>ndo de<br />
represália do Alves, faziam pelos cantos escorraçada maledicência,<br />
digna deles.<br />
Às vezes na biblioteca, enquanto eu lia, Alves olhava-<strong>me</strong> do outro<br />
lado da <strong>me</strong>sa central de pano verde, com a mão à fronte e os dedos<br />
<strong>me</strong>rgulhados nos cabelos. Olhava-<strong>me</strong> e eu o sentia sem levantar a<br />
vista, compreendendo no mais fino refolho de ninada vaidade que<br />
aquela contemplação traduzia o horror do ridículo, proverbial em<br />
Bento Alves, manietando-lhe rija<strong>me</strong>nte uma demonstração efusiva.<br />
Não fosse a critica uma criatura do tempo, eu poderia achar cômica a<br />
situação dos personagens desta cena de platonismo. Não havendo a<br />
critica para falsear a psicologia por desdobra<strong>me</strong>nto, limitava-<strong>me</strong> a ser