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O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...

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Nos mo<strong>me</strong>ntos de ira e de exaltações eloqüentes é que sabia fazer-se<br />

em verdade divino. Era mais que uma revelação te<strong>me</strong>rosa do Olimpo;<br />

era como se Júpiter mandasse Mercúrio catar à terra os raios já<br />

disparados e os unisse ao estoque inavaliável dos arsenais do Etna,<br />

para soltar tudo, de uma só vez, de uma só cólera, num só trovão,<br />

aniquilando a natureza sob a bombarda onipotente.<br />

Mas não so<strong>me</strong>nte parodiava ele os furores olímpicos Aquela alma<br />

dúctil de artista sabia decair até à blandícia, até à lágrima a propósito.<br />

Júpiter guardava para a oportunidade a carícia de edredom, o gesto<br />

flexuoso do soberano cisne. Expandia-se às vezes sobre o Ateneu em<br />

rompi<strong>me</strong>nto de amor paterno, tão derramado, tão jeitosa<strong>me</strong>nte sincero,<br />

que não tínhamos remédio senão replicar no <strong>me</strong>smo tom, por um<br />

madrigal de enterneci<strong>me</strong>nto de filhos.<br />

E admirávamos.<br />

A hora solene do <strong>me</strong>io-dia Aristarco aproveitava para distribuir uma<br />

<strong>me</strong>renda de conselhos, depois do canto e antes de outra de fatias,<br />

incomparavel<strong>me</strong>nte mais bem recebida. Muitas vezes não eram só<br />

conselhos. Também repri<strong>me</strong>ndas em massa por culpas coletivas,<br />

arrecadações de cigarros, ou pequenos processos sumários em que se<br />

averiguava a autoria de delitos importantes, como encher de papel<br />

picado uma sala, cuspir às paredes, molhar a privada, e <strong>me</strong>smo muito<br />

mais graves, como num episódio do Franco, que se prende ao período<br />

beato das minhas reminiscências.<br />

Assistia o Mestre com atenção do costu<strong>me</strong> à reza cantada, fazendo<br />

girar nos dedos uma <strong>me</strong>dalha do relógio sobre o colete, na abertura do<br />

fraque. Ao final, depois de um intervalo preparatório, aperitivo de<br />

emoções, tomou a palavra num tom solene de revelação e referiu, com<br />

toda a grandeza de que era suscetível, a hipótese, reclamando a<br />

indignação vingadora do Ateneu.<br />

Franco, no domingo da véspera, aproveitando a largura da vigilância<br />

no dia vago, fora vadiar ao jardim. E para tomar água de um poço aí<br />

existente, cuja bomba não funcionava em regra, deliberou, imaginem!<br />

u<strong>me</strong>decer a bucha aspiradora com um líquido que Moisés seria capaz<br />

de obter no árido deserto, sem milagre <strong>me</strong>smo e sem Horeb. Agora<br />

considerem que o referido poço fornecia água para a lavagem dos<br />

pratos.

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