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O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...

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sofri<strong>me</strong>nto eu o desejava, na humildade devota da minha disposição<br />

atual. Chorava à noite, em segredo, no dormitório; mas colhia as<br />

lágrimas numa taça, como fazem os mártires das estampas bentas, e<br />

oferecia ao céu, em remissão dos <strong>me</strong>us pobres pecados, com as notas<br />

más boiando.<br />

No recreio, andava só e calado como um monge. Depois do Sanches<br />

não <strong>me</strong> aproximava de nenhum colega, senão incidente<strong>me</strong>nte, por<br />

palavras indispensáveis. Rebelo tentou atrair-<strong>me</strong>; eu desviava.<br />

Sanches, rancoroso, perseguia-<strong>me</strong> como um demônio. Dizia coisas<br />

imundas. “Deixa estar, jurava entre dentes, que ainda hei de tirar-te a<br />

vergonha.” Na qualidade de vigilante levava-<strong>me</strong> brutal<strong>me</strong>nte à espada.<br />

Eu tinha as pernas roxas dos golpes; as canelas <strong>me</strong> incharam. Se<br />

Barbalho se lembra de vingar a bofetada, creio que <strong>me</strong> sub<strong>me</strong>tia à<br />

letra evangélica 1S<br />

Durante este período de depressão contemplativa uma coisa apenas<br />

magoava-<strong>me</strong>: não tinha o ar angélico do Ribas, não cantava tão bem<br />

como ele. Que faria se morresse. entre os anjos, sem saber cantar?<br />

Ribas, quinze anos, era feio, magro, linfático. Boca sem lábios, de<br />

velha carpideira, desenhada em angústia — a súplica feita boca, a<br />

prece perene rasgada em beiços sobre dentes; o queixo fugia-lhe pelo<br />

rosto, infinita<strong>me</strong>nte, como uma gota de cera pelo fuste de um círio...<br />

Mas, quando, na capela, mãos postas ao peito, de joelhos, voltava os<br />

olhos para o <strong>me</strong>dalhão azul do teto, que senti<strong>me</strong>nto! Que doloroso<br />

encanto! que piedade! um olhar penetrante, adorador, de enlevo, que<br />

subia, que furava o céu como a extrema agulha de um templo gótico!<br />

E depois cantava as orações com a doçura feminina de uma virgem<br />

aos pés de Maria, alto, trêmulo, aéreo, como aquele prodígio celeste<br />

de garganteio da freira Virgínia em um romance do conselheiro<br />

Bastos.<br />

Oh! não ser eu angélico como o Ribas! Lembro-<strong>me</strong> bem de o ver ao<br />

banho: tinha as omoplatas magras para fora, como duas asas!<br />

E eu era feliz nesse tempo, quando invejava o Ribas.<br />

Havia na minha febre religiosa certo nú<strong>me</strong>ro de reservas, que<br />

pareciam o ger<strong>me</strong> de futuro libertino, como dizem os padres mineiros;<br />

eu não admitia a confissão, não pensava em comunhão, estranhava os

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