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O ATENEU Raul Pompéia I “Vais encontrar o mundo, disse-me meu ...

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a cabeça um vizinho mais pobre, parece que a opressão, aqui, pesa da<br />

miséria sobre os ricos.<br />

A agitação não <strong>me</strong> faz bem.<br />

Abro a janela para o bulevar: uma efervescência de animação, de<br />

ruído, de povo, a festa iluminada dos negócios, das tentativas, das<br />

fortunas... Mas todos vêm, passam diante de mim, afastam-se,<br />

desaparecem. Que espetáculo para um doente. Parece que é a vida que<br />

foge.<br />

Dou-te a minha bênção...”<br />

Mo<strong>me</strong>nto presente... Eu tinha ainda contra a face a mão que <strong>me</strong><br />

dera a carta; contra a face, contra os lábios, venturosa<strong>me</strong>nte,<br />

ardente<strong>me</strong>nte, como se fosse aquilo o mo<strong>me</strong>nto, como se bebesse na<br />

linda concha da palma o gozo imortal da viva verdade.<br />

“Ah! tem ainda um pai”, <strong>disse</strong> Ema, “uma querida mãe, irmãos<br />

que o amam... Eu nada tenho; todos mortos... Aparecem-<strong>me</strong> às vezes à<br />

noite... sombras. Ninguém por mim. Nesta casa sou demais...<br />

Deixemos essas coisas.<br />

Não sabe o que é um coração isolado como eu... Todos <strong>me</strong>ntem.<br />

Os que se aproximam são os mais traidores...”<br />

A convivência cotidiana na solidão do aposento estabelecera a<br />

entranhada familiaridade dos casais.<br />

Ema afetava não ter mais para mim avarezas de colchete. “Sérgio<br />

<strong>me</strong>u filhinho.” Dava-<strong>me</strong> os bons-dias. Sala, voltava fresca, com o<br />

grande, vernal sorriso rorejado ainda do orvalho das abluções. Rindo<br />

sem causa: da claridade feliz da manhã, de <strong>me</strong> ver forte, quase bom.<br />

Debruçava-se expansiva, resplendendo a formosura sobre mim, na<br />

gola do peignoir, como um derrama<strong>me</strong>nto de flores de uma<br />

cornucópia.<br />

Tomava-<strong>me</strong> a fronte nas mãos, colava à dela; arredava-se um<br />

pouco e olhava-<strong>me</strong> de perto, bem dentro dos olhos, num encontro<br />

inebriante de olhares. Aproximava o rosto e contava, lábios sobre<br />

lábios, mimosas historietas sem texto, em que falava mais a<br />

vivacidade sangüínea da boca, do que a imperceptível confusão de<br />

arrulhos cantando-lhe na garganta como um colar sonoro.

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