VOLUME 19, NÚMERO 4 • OUTUBRO, NOVEMBRO ... - SBNPE
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Introdução<br />
A bulimia nervosa (BN) é um transtorno alimentar caracterizado<br />
por episódios compulsivos seguidos por comportamentos<br />
inadequados para evitar ganho de peso, tais como os<br />
vômitos provocados e abuso de laxantes e diuréticos 1 .<br />
Os primeiros estudos sobre a nutrição na BN tiveram<br />
início na década de <strong>19</strong>80, essencialmente nos países desenvolvidos<br />
2,3,4,5 . No Brasil, os transtornos alimentares (TA)<br />
começaram a ser tratados efetivamente com a criação do<br />
Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares -<br />
AMBULIM, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas<br />
da Faculdade de Medicina da Universidade de São<br />
Paulo (HC-FMUSP) em <strong>19</strong>92, e desde então foram realizados<br />
três estudos nutricionais com pacientes bulímicas 6,7, 8 .<br />
Descreve-se na BN um padrão alimentar caótico, que<br />
oscila entre uma alimentação altamente restritiva, e episódios<br />
- ou dias - extremamente calóricos 9 . O ciclo restrição –<br />
compulsão – purgação ilustra a patologia alimentar na BN. Os<br />
pacientes insistem em iniciar dietas ou períodos de alimentação<br />
restritiva, consumindo quantidades extremamente pequenas<br />
de alimentos, com qualidade comprometida devido<br />
à restrição, evitando alimentos que julgam mais calóricos ou<br />
“engordativos” (os chamados “alimentos proibidos”). Esta<br />
restrição acaba por desencadear um episódio bulímico, no<br />
qual o valor energético ingerido é alto 10 .<br />
Os alimentos mais presentes nas compulsões são aqueles<br />
de alto valor energético que o paciente tende a excluir de sua<br />
dieta habitual por medo de ganho de peso (doces, chocolate,<br />
leite condensado, biscoito) 5, 8, 11 .<br />
Acredita-se que o padrão alimentar patológico é uma<br />
característica geral da BN e não apenas restrito aos episódios<br />
bulímicos ou à restrição alimentar - o que explica a dificuldade<br />
em normalizar a alimentação dos pacientes 12, 13 .<br />
Sabe-se ainda que estes pacientes têm comportamentos<br />
alimentares perturbados que necessitam ser abordados, como<br />
dificuldade para selecionar o que comer, padrões de fome e<br />
saciedade anormais, expressiva repugnância aos alimentos,<br />
um “comer social” prejudicado, medos e preconceitos em<br />
relação ao alimento e controle de peso 12,13,14 .<br />
Estudos descritos na literatura, feitos em laboratório, com<br />
refeições-teste ou com pacientes hospitalizadas, observaram<br />
ingestões energéticas nos episódios compulsivos que variam<br />
de um mínimo de 1.436 kcal a um máximo de 8.585 kcal,<br />
apresentando vômitos seguidos na grande maioria dos casos.<br />
Estes episódios duram em média 59 minutos, com distribuição<br />
de macronutrientes de 49% de carboidratos, 43% de<br />
gordura e 8% de proteínas. Sem compulsões, as pacientes têm<br />
uma variação de consumo de 69 a 10.620 kcal 2,3,4,5,13,15 . A<br />
natureza artificial e a pouca validade ecológica destas pesquisas,<br />
no entanto, podem influenciar os resultados sobre os<br />
padrões alimentares, as compulsões e purgações obtidos em<br />
tais estudos, limitando a generalização dos resultados. De<br />
qualquer forma, a diferença nos valores mínimos e máximos<br />
mostram grande variabilidade nos dados de consumo alimentar<br />
de pacientes com BN.<br />
No Brasil, os transtornos alimentares são estudados e tratados<br />
há pouco tempo, sendo que alguns grupos estudam TA<br />
Rev Bras Nutr Clin 2004; <strong>19</strong>(4):170-177<br />
e há alguma assistência pública 8,16 , mas medidas de resultado<br />
de tratamento não são conduzidas sistematicamente.<br />
Mesmo internacionalmente, os estudos que descrevem padrão<br />
alimentar na BN na literatura são todos transversais, e se desconhece<br />
algum que tenha descrito a ingestão energética e de<br />
nutrientes em um seguimento. Os estudos de seguimento na<br />
BN limitam-se a seguir variáveis de comportamento bulímico<br />
e preditores de recuperação 17,18 .<br />
Métodos<br />
O presente estudo foi realizado como parte do projeto<br />
temático do AMBULIM –HC-FMUSP, que objetivava estudar<br />
resultados de tratamento na BN. Do ponto de vista<br />
nutricional, o objetivo foi investigar mudanças no padrão e<br />
consumo alimentares depois de abordagem multiprofissional.<br />
Os resultados de consumo alimentar compreendem a constituição<br />
da dieta, seu aporte energético, distribuição de<br />
macronutrientes e adequação de micronutrientes. O resultado<br />
de padrão alimentar refere-se ao número e tipos de refeições<br />
apresentadas por dia durante o seguimento.<br />
Participaram do estudo 39 pacientes do sexo feminino,<br />
diagnosticadas com BN de acordo com os critérios do DSM-<br />
IV 1 . O tratamento consistia de um grupo de abordagem<br />
cognitivo comportamental de duração de 12 semanas, com<br />
seguimento em ambulatório aberto por mais três meses. Neste<br />
programa, os pacientes passavam por tratamento com médico<br />
psiquiatra, grupo de terapia e abordagem nutricional.<br />
As pacientes foram instruídas a preencher um diário alimentar,<br />
no qual deveriam registrar os alimentos consumidos,<br />
as quantidades, os horários e a duração das refeições <strong>19</strong> . Além<br />
disto, deveriam assinalar se a refeição era considerada um<br />
episódio compulsivo e se havia alguma forma de purgação,<br />
especificando-a.<br />
Estes diários foram avaliados para se obter dados de<br />
ingestão energética e de nutrientes em três diferentes momentos:<br />
no ingresso da paciente no ambulatório (Fase 1), após a<br />
abordagem de 12 semanas (Fase 2) e após três meses de seguimento<br />
(Fase 3); obtendo-se a média destes aspectos nas três<br />
diferentes fases.<br />
Os diários alimentares das semanas 2, 12 e 24 foram analisados<br />
para comparação dos padrões nutricionais. Optou-se<br />
pelo diário da segunda semana (inicial) para o início da<br />
avaliação, pois o diário da primeira semana serviu para verificar<br />
adequação de preenchimento; no caso de a paciente não<br />
ter feito o diário das semanas selecionadas para avaliação,<br />
utilizou-se o diário da semana imediatamente anterior ou<br />
posterior. Foram usados os dias com registros completos. Se a<br />
paciente não descreveu adequadamente uma refeição ou<br />
deixou um dia incompleto, este dia foi retirado da análise.<br />
Todos os alimentos registrados no diário foram convertidos<br />
em unidades de peso ou porções de acordo com a base<br />
de dados de programa de cálculo nutricional que inclui alimentos<br />
nacionais – Virtual Nutri 20 . Para preparações ou receitas<br />
específicas não constantes da base de dados do Virtual<br />
Nutri, foram listados os ingredientes e calculadas as receitas.<br />
Quando a paciente registrava uma ingestão alimentar e<br />
marcava na seqüência que aquela refeição foi compulsiva e<br />
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