Revista n.° 31 - APPOA - Associação PsicanalÃtica de Porto Alegre
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ESTRANHA VAGÂNCIA...prenhe <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um sentido, porque lie opera por homofonia uma passagem<strong>de</strong> mentir a <strong>de</strong>itar, ou vice-versa: <strong>de</strong>itar a mentir. Nesta frase, a interpretaçãovem <strong>de</strong> pronto, como um momento <strong>de</strong> concluir, como simples constatação,perante a qual ao sujeito só resta <strong>de</strong>la se apropriar – a verda<strong>de</strong> na mentira, eles<strong>de</strong>itam como na cena primária. Os significantes copulam. Uma interpretação aum passo <strong>de</strong> sentido e, ao mesmo tempo, sem sentido – pequeno momento <strong>de</strong>suspensão pela cópula significante 6 .O mais extraordinário, nesse exemplo, parece-me não ser apenas o trasladarpela homofonia, mas o fato <strong>de</strong> essa palavra marcar uma idéia e também oseu contrário, o que, precisamente, faz <strong>de</strong> lie uma palavra-valise, uma palavra<strong>de</strong>cisiva.Ao consi<strong>de</strong>rarmos, ainda, que o inglês não é a língua materna do sonhador,uma questão se coloca, a saber: que conseqüências po<strong>de</strong>ríamos tirar dofato <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma interpretação que se impõe em língua estrangeira?Tomamos a língua materna como sendo aquela em que o sujeito conheceue reconheceu, para si, a castração, ou seja, aceitou a interdição do corpomaterno.O recalcamento primário é propriamente essa operação <strong>de</strong> interdição dogozo na língua materna, que, a partir <strong>de</strong> então, passa a se organizar em torno <strong>de</strong>um corpo interditado – o impossível, que não cessa <strong>de</strong> não se escrever, passa ater uma imagem: o corpo da mãe. Então, o funcionamento da língua na falaalu<strong>de</strong> ao que não se po<strong>de</strong> – o que está interditado e <strong>de</strong>sejado passa nas formaçõesdo inconsciente, e daí em diante o <strong>de</strong>sejo anda na língua.Se o interdito articula o <strong>de</strong>sejo inerente à ca<strong>de</strong>ia expressa na língua,veiculado e constitutivo <strong>de</strong>ssa ca<strong>de</strong>ia, o sujeito, por seu lado, não po<strong>de</strong> apreendêloou articulá-lo, mas ele po<strong>de</strong>, sim, emprestar-lhe a voz (sem que o saiba e semcomandar esse processo).6Angela Vorcaro diz que o fisgamento da pulsão invocante prescin<strong>de</strong> do sentido – uma surpresano andamento, uma <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, é antecipada, ao mesmo tempo em que, nessa vertigem,um acréscimo <strong>de</strong> gozo po<strong>de</strong> ser contado. O gozo <strong>de</strong> que se trata é o <strong>de</strong> ser objeto implantado nofuncionamento <strong>de</strong> alguém, alienado ao andamento. O ponto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surge o significante éaquele que não sabe ser significado – o grito, lido como apelo pelo Outro materno, será, doravante,respondido com a linguagem. A coisa perdida surge como virtual na busca sempre repetida <strong>de</strong>um reencontro que será sempre assimétrico, pois, à falta o Outro, respon<strong>de</strong> com uma leitura nalinguagem. Trauma nuclear constituído assim pela <strong>de</strong>fasagem da satisfação, que nunca é aquela,nunca é no tempo certo. Trauma que constitui o recalcamento primário como incidência dabarra sem um elemento específico rejeitado, mas, sim, qualquer elemento literal.111