TEXTOSE N E A O T I L 1Otávio Augusto Winck Nunes 2RESUMOO presente artigo propõe a discussão do conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>negação, presente naobra freudiana, e sua <strong>de</strong>corrente apreciação pela releitura feita por JacquesLacan. Apresenta, a partir <strong>de</strong> uma vinheta clínica, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificara qual operação psíquica está associado o enunciado da palavra não, no quepo<strong>de</strong> ser chamado a gramática do inconsciente, pois a <strong>de</strong>negação aparece nãosó na fala, mas também no acting-out e na alucinação.PALAVRAS-CHAVE: <strong>de</strong>negação, aceitação, operação, juízo.N OABSTRACTThe present article proposes to discuss the concept of <strong>de</strong>nial in the Freudianwork and in its following appreciation as presented by Jacques Lacan´s reading.It presents, through a clinical vignette, the need to i<strong>de</strong>ntify which psychic operationis associated to the word no enunciated, in what it can be called to the unconsciousgrammar, as the <strong>de</strong>nial appears in speech as well as in the acting out andhallucination.KEYWORDS: <strong>de</strong>nial, acceptance, operation, judgment.1Apresentado nas Jornadas Clínicas da <strong>APPOA</strong>, Fundamentos da psicanálise: inconsciente,repetição, transferência, pulsão, em outubro <strong>de</strong> 2006.2Psicanalista, Membro da <strong>APPOA</strong>, , Mestre em Psicologia do Desenvolvimento-UFRGS, Mestre mPsicopatologia e Psicanálise-PARIS 7. E-mail: otaviown@terra.com.br123
TEXTOSSim,são três letrinhas,Todas bonitinhas,Fáceis <strong>de</strong> dizer!Ditas por vocêNesse seu sim, assim,Outras três também representam não que não ficam bem no seu coração!Três letrinhas, M. Moreira e GalvãoOs versos acima ecoaram com a fala <strong>de</strong> uma paciente que enunciava aseguinte problemática numa sessão: “Tenho um problema com a palavrinhanão. Cada vez que tenho que dizer não, preciso fazer uma negociação. Umanegociação interna”. É bastante comum escutar esse tipo <strong>de</strong> frase no nossotrabalho clínico, se não exatamente essa, pelo menos alguma variação em tornodo que a enunciação <strong>de</strong>ssa palavra acarreta. Ou seja, a palavra não exerce,por assim dizer, função um tanto mais abrangente no discurso do que sua simplespresença numa frase parece ter.Pois é. “Letrinha, palavrinha”. Afinal <strong>de</strong> contas qual é o problema do não?De um lado três letrinhas; <strong>de</strong> outro, palavrinha. Será efetivamente que ao nãocabe um diminutivo? O diminutivo serve para dar um tom infantil à fala, ao discurso.Justamente, esse infantil que, no mais das vezes, cansamos <strong>de</strong> ouvir dizere que, muita vezes dizemos, precisam do não!Uma imagem bastante recorrente do não, e que entraria em choque coma idéia do diminutivo, é <strong>de</strong> que a ele seria atribuído um po<strong>de</strong>r representativo.Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> restrição, privação, controle, pois o não é a palavra que, por excelência,representa a interdição, o limite. Seu alcance é supostamente, por assimdizer, superlativo. Por outro lado, po<strong>de</strong>ria ser diminutiva no campo das possibilida<strong>de</strong>s,por impor regras, mandamentos. Quando associada ao po<strong>de</strong>r, ela po<strong>de</strong>ser gran<strong>de</strong>, quando associada às possibilida<strong>de</strong>s, pequena.Aliás, po<strong>de</strong>-se dizer que um dos conceitos fundamentais da psicanálise,o inconsciente, já foi nomeado a partir <strong>de</strong> um não: o não do não-consciente.Mesmo que o inconsciente freudiano não coincida exatamente com o não-conscientefilosófico, ou poético – que são mais ligados ao estado <strong>de</strong> não-consciência–, é interessante pensar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> Freud partiu para nomear esse conceito, poisa escolha <strong>de</strong>sse nome já estava indicando a direção do seu pensamento. Ou seja,a existência <strong>de</strong> um intervalo em que o sujeito po<strong>de</strong> situar o saber do qual o sujeitonão sabe. E nesse caso po<strong>de</strong>ríamos dizer que o não tem mais relação com umaoperação do que a simples oposição à existência ou à presença <strong>de</strong> algo.No texto A <strong>de</strong>negação (1925), portanto alguns anos após estabelecer asegunda tópica, quando promulgou o eu, o isso e o supereu, Freud, retoma os124