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Revista n.° 31 - APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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TEXTOSada por não ter conseguido imprimir nos seus três filhos já adultos (um rapaz eduas moças) a marca que a orienta: o trabalho. Dito <strong>de</strong>la: “Eles não queremnada, são <strong>de</strong>smotivados, apáticos, não têm iniciativa, não fazem nada”.Essa é a questão que vem na frente, ou, como costumamos chamar, é aqueixa. Fiquei bastante absorvida por isso que ela traz, por ser atual, freqüenteem nossa escuta cotidiana e causa <strong>de</strong> muita preocupação para os pais: o fato<strong>de</strong> os filhos não se orientarem, ou se orientarem cada vez mais tar<strong>de</strong> para a vidaprofissional, malgrado o exemplo que eles freqüentemente dão, <strong>de</strong> uma vidamarcada pelo trabalho. Constatamos, junto com esses pais, que a adolescênciaé cada vez mais estendida, prolongada; os filhos tornam-se eternos estudantes,permanecem morando na casa paterna mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> adultos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndofinanceiramente, e assim por diante. Porém, essa é outra questão, enão a que vou abordar aqui. O que essa paciente traz então é o seu fracasso natentativa <strong>de</strong> transmitir aos filhos algo <strong>de</strong> autonomia, <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e <strong>de</strong> ummodo <strong>de</strong> inserção no universo do trabalho. A sua vonta<strong>de</strong> não faz diferença paraos filhos. Ela trazia acentuadamente essa questão.Para mim, outra interrogação insistia: o que estaria ela buscando ali, nomesmo lugar em que sua filha, há alguns anos atrás vinha, para se ver com aquestão <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z precoce, aos 16 anos? Sobre isso ela nada diz, nãofaz nenhuma referência.Porém, ao reconstituir sua história, isso <strong>de</strong> que ela não fala, mas que falanela, vai-se articulando: a bisavó, na adolescência, tem uma gravi<strong>de</strong>z precoce ese vê obrigada a casar com o homem <strong>de</strong> quem engravida e com quem vai viver avida toda; contudo, sempre nutriu uma gran<strong>de</strong> paixão por outro homem, mascom quem não estava <strong>de</strong>stinada a se casar. Guarda isso como um segredo,mas conta-o para Marli antes <strong>de</strong> morrer.Outro elemento: quando a filha <strong>de</strong> Marli engravida, ela, Marli, está vivendoum gran<strong>de</strong> amor, fora do casamento, mantido em segredo, ao qual renunciaquando sabe da gravi<strong>de</strong>z da filha.Esses elementos da sua história não lhe fazem questão, não trazemnenhuma interrogação. Um único comentário acerca disso é <strong>de</strong> que esses fatossugerem a ela que a gravi<strong>de</strong>z da filha na adolescência “pareceria ter a ver comalgo que envolveria todas as mulheres da família”.Marli, utiliza anti<strong>de</strong>pressivos, cumpre a vida da mesma forma que cumpreo trabalho, não tem projetos. Uso a expressão “cumprir a vida” justamentepara fazer referência ao modo como ela se coloca diante da vida, <strong>de</strong> tudo. Apergunta <strong>de</strong>la, a pergunta que vem na frente, é sobre aquilo que não conseguiuensinar (transmitir): o <strong>de</strong>sejo pelo trabalho. Mas o que é que se transmite?Desejo? Condição <strong>de</strong>sejante? Posição <strong>de</strong> sujeito? Efeito <strong>de</strong> sujeito?118

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