ESTRANHA VAGÂNCIA...algo da or<strong>de</strong>m do sinistro, ou po<strong>de</strong>ria ser diferente... A suspensão po<strong>de</strong>ria antecipara chegada <strong>de</strong> uma emoção com entusiasmo – um espanto súbito e bemvindo?Para Didier-Weill (1997), esse tipo <strong>de</strong> espanto 9 é a experiência subjetiva<strong>de</strong> um acontecimento súbito que introduz, na continuida<strong>de</strong> do saber, uma<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>.Expressão boquiaberta da trovoada <strong>de</strong> uma experiência fugidia, que, antes<strong>de</strong> ser atemorizante, comemora o tempo originário em que (sem doçura ouharmonia) fui um dia arrancado do primeiro amor do verbo.É esse momento <strong>de</strong> suspensão que se constitui no fisgar, no que convocaà busca renovada do efeito <strong>de</strong> surpresa. Trata-se, assim, do momento <strong>de</strong>silêncio, da ausência na presença, o <strong>de</strong>cisivo, pois assinala ao mesmo tempo aqueda da letra e a antecipação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>slizamento a seguir.Encontramos o espanto bem-vindo, solicitado, nas crianças que pe<strong>de</strong>mpara repetir uma brinca<strong>de</strong>ira que culmina no inesperado – elas esperam ativamentea surpresa... o momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento-reaparecimento.Proponho pensarmos nessa suspensão <strong>de</strong> sentido, mais do que na busca<strong>de</strong> um mestre <strong>de</strong>codificador, como o que po<strong>de</strong> se constituir efetivamentenaquilo que torna ao sujeito suportável o estranhamento do vaguear na língua,ao qual o convocamos <strong>de</strong> saída, no pedido <strong>de</strong> “associe livremente”. Pois, se apsicanálise <strong>de</strong>sata o sintoma, é, em primeiro lugar, reconhecendo no sintoma asua dimensão <strong>de</strong> real (1992). E o real nunca está on<strong>de</strong> ele é esperado, ele estáno imprevisto – <strong>de</strong>sse confronto com o estranho-familiar não é possível se poupar.O <strong>de</strong>sejo do sujeito é sempre <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> outra coisa, e é isso que mantéma proprieda<strong>de</strong> original da língua <strong>de</strong> ser sempre Outra, indomável. E se a língua éindomável, a interpretação – como conseqüência – é também extravagante, nosentido <strong>de</strong> certa bizarria, pois opera com o efeito <strong>de</strong> não-sentido, pas-<strong>de</strong>-sense,passo <strong>de</strong> sentido. O espanto que alguns significantes especiais po<strong>de</strong>m causarconfigura a <strong>de</strong>stituição subjetiva que impulsiona o sujeito da passivida<strong>de</strong> a umponto zero, <strong>de</strong> começo e recomeço, <strong>de</strong> esquecido inesquecível.A estupefação é <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>sse efeito do <strong>de</strong>scolamento, <strong>de</strong>svelamentodo equívoco que um dia enlaçou o corpo ao significante e criou um enredo <strong>de</strong>ter-9Espanto como efeito <strong>de</strong> <strong>de</strong>stituição subjetiva produzida por um significante especial (MarieBonaparte o chama <strong>de</strong> si<strong>de</strong>rante, que Freud isolara nos chistes como Verblüfung), conformeDidier-Weill (1997).113
TEXTOSminado, momento em que a letra escorrega a outra coisa, o <strong>de</strong>sejo passa ecarrega consigo o sintoma.REFERÊNCIASALLOUCH, Jean. Letra a letra. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Cia. <strong>de</strong> Freud Editora, 1995.CHEMAMA, Roland. Elementos lacanianos para uma psicanálise no cotidiano. <strong>Porto</strong><strong>Alegre</strong>: CMC Ed., 2002.DIDIER-WEILL, Alain. Os três tempos da lei. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997FREUD, Sigmund. O estranho. [1919] In: ______. Obras completas. Ed Imago, Rio<strong>de</strong> Janeiro, 1976JOYCE, James. Ulysses. [1922]. Disponível em: www.online-literature.com. Acessoem 20 set. 2006.JOYCE, James. Finnegans Wake [1939].LACAN, Jacques. O seminário: Livro XI. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.LACAN, Jacques. El seminario: Seminário XXI. Classe 5, <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1975. Ediçãoeletrônica a partir da edição da Escuela Freudiana <strong>de</strong> Buenos Aires.MELMAN, Charles. O ser e as paixões. Bogotá, 2004. Disponível em: www.freudlacan.com.Acesso em 20 jul. 2006VALORE, Angela. O corpo na neurose obsessiva. Disponível em: www.freudlacan.com.Acesso em 20 jul. 2006.VORCARO, Angela. Incidência da matriz simbolizante no organismo. Disponívelem: www.freud-lacan.com, 2005. Acesso em 20 jul. 2006.VORONOVSKY, Diana. Palavras no limite. Disponível em:www.convergencia.aocc.free.fr., 2001. Acesso em 20 set. 2006.114