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Revista n.° 36 - APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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Maria Cristina Polihora do almoço rindo, bem disposta. Sabe o que me disse? Queeu a levava muito a sério e que tinha apenas me precipitado aovoltar. É claro, fiquei chateadíssima, mas aprendi muito com ahistória (Borelli apud Gotlib, 1995, p. 399-400).É preciso acrescentar que o que Olga apren<strong>de</strong>u foi a dimensionar o tamanhoda angústia que acometia Clarice, sua necessida<strong>de</strong> efetiva em se fazeracompanhar. Em outro momento, é ainda ela que confere o seguinte testemunhosobre a escritora:Ela sempre dizia: “E agora?”. Você imagina ser amiga <strong>de</strong> umapessoa que, a todo instante, pergunta: “E agora?”. Agora lanchar,tomar um chá num tal restaurante – nós íamos no Méridien. Terminava<strong>de</strong> tomar o chá, pagava a conta, ela perguntava: “E agora?” eagora nós vamos para casa ver televisão. “E agora? E agora? E<strong>de</strong>pois? E <strong>de</strong>pois?” Era assim (Borelli apud Gotlib, 1995, p. 441).Tomamos esses recortes sobre Clarice não para interrogar a angústiaque a acometia em sua relação exclusiva com sua biografia – o que não teríamoscondições <strong>de</strong> fazer: ler as biografias e conhecer a obra não autoriza atransformar sua autora em um caso clínico. Interessa-nos é o quanto po<strong>de</strong>mosreconhecer nesses testemunhos a assunção <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada posição suacomo autora e pensar a angústia como efeito <strong>de</strong> uma mudança operada em seuestilo <strong>de</strong> escrita.Na obra <strong>de</strong> Clarice, po<strong>de</strong>m-se reconhecer dois momentos bastante distintos.Um, primeiro, composto basicamente <strong>de</strong> seus quatro primeiros livros –Perto do coração selvagem, O lustre, Cida<strong>de</strong> sitiada e A maçã no escuro – nosquais o enredo já é perpassado pelas marcas estilísticas que a caracterizam (oimpressionismo, as elucubrações existenciais, etc.), mas que se sustentamem dramas passionais, nos quais as condições das relações amorosas e os<strong>de</strong>safios i<strong>de</strong>ntitários (masculino-feminino) dão a tônica da história. Já na segundafase <strong>de</strong> sua obra, a partir <strong>de</strong> A paixão segundo G.H., incluindo Água-viva e Ahora da estrela, entre outros, temos o que alguns críticos <strong>de</strong>nominaram <strong>de</strong><strong>de</strong>sficcionalização da obra. São textos cujo cerne não está propriamente noenredo e na construção <strong>de</strong> personagens, mas no cair das máscaras, na busca(impossível) do ponto <strong>de</strong> encontro entre ser e linguagem. A posição do narradoraí, sobretudo, é indiscernível daquela do autor, misturando-se com ela.Lucia Castello Branco (2000) <strong>de</strong>nominou esse tipo <strong>de</strong> escrita – reconhecívelem muitos autores, como Beckett, Joyce e Llansol – do trabalho com a22

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