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Revista n.° 36 - APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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Jaime BettsSegundo Sennett (1999, p. 115), “a apreensão é uma ansieda<strong>de</strong> (angústia)sobre o que po<strong>de</strong> acontecer; é criada num clima que enfatiza o risco constante,e aumenta quando as experiências passadas parecem não servir <strong>de</strong> guiapara o presente”. O autor consi<strong>de</strong>ra que a apreensão, com o tempo, está gravadaprofundamente em nós, pois a passagem dos anos parece nos esvaziar,<strong>de</strong>squalificando nossas experiências passadas, consi<strong>de</strong>radas obsoletas na novaeconomia, o que coloca em xeque nosso senso <strong>de</strong> valor pessoal.Freud ([1907] 1996), em seu artigo Atos obsessivos e práticas religiosas,fala que as moções pulsionais recalcadas são vividas como uma tentação, eque o processo <strong>de</strong> recalcamento é apenas parcialmente bem sucedido, gerandopor isso angústia. A angústia vivida em função da ameaça <strong>de</strong> retorno do recalcadoganha controle sobre o futuro na forma <strong>de</strong> uma expectativa ansiosa, ou seja, <strong>de</strong>uma apreensão em relação ao que aguarda o sujeito no futuro.Sem o reforço da sensação <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>positada na crença (religiosaética protestante) <strong>de</strong> instituições estáveis que apoiavam e justificavam o adiamentodas moções pulsionais em nome do trabalho no presente e recompensa no futuro,o sujeito contemporâneo se vê mais exposto à angústia, mais à <strong>de</strong>riva, sem sustentaçãosimbólica diante <strong>de</strong> um imperativo <strong>de</strong> gozo imediato, seja pela via do consumodos objetos, seja nas relações (<strong>de</strong> consumo <strong>de</strong>scartável) com os outros.Conforme diz Sennett acima, continua sendo o etos do trabalho que permanecena superfície da experiência, e a experiência <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> equipe hojeé a prática <strong>de</strong> grupo da superficialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>gradante. A moral parece ser a seguinte:como não sabemos se iremos nos ver amanhã (e nem queremos mesmo...)vamos aproveitar e satisfazer (superficialmente, é óbvio) todos os impulsosque sejam possíveis. A renuncia pulsional apregoada na ascese leiga daantiga ética do trabalho <strong>de</strong>u lugar à impulsivida<strong>de</strong> compulsiva da satisfação imediatae total, ou seu dinheiro <strong>de</strong> volta! (bela mentira, não é mesmo?). Em outraspalavras, tudo se flexibiliza, a ponto <strong>de</strong> usarmos as pessoas e nos relacionarmoscom os objetos em busca da satisfação imediata.Nos termos <strong>de</strong> Sennett, trata-se <strong>de</strong> uma corrosão do caráter, que é atacadapelo novo capitalismo flexível. Para o autor, subscrevendo a tradição, caráter é:[...] o valor ético que atribuímos aos nossos próprios <strong>de</strong>sejos e àsnossas relações com os outros. Horácio escreve que o caráter <strong>de</strong>alguém <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ligações com o mundo. Neste sentido,“caráter” é um termo mais abrangente que seu rebento mo<strong>de</strong>rno“personalida<strong>de</strong>”, pois este se refere a <strong>de</strong>sejos e sentimentos quepo<strong>de</strong>m apostemar (apodrecer, supurar, infectar) por <strong>de</strong>ntro, semque ninguém veja. [....] Caráter são os traços pessoais a que42

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