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Revista n.° 36 - APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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Jaime BettsNo <strong>de</strong>correr da narrativa, o duplo <strong>de</strong> William Wilson passa <strong>de</strong> duplo imaginárioincômodo a duplo real, alucinado, com quem ele luta até a morte, matandoa si mesmo por acreditar tratar-se <strong>de</strong> um outro. Somente então ele se dáconta do espelho que reflete sua própria imagem ensanguentada e a voz doduplo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um sussurro e passa a ser a do próprio Wilson. O narradorpassa da enunciação <strong>de</strong> uma neurose incipiente ao da narrativa <strong>de</strong> um episódiopsicótico em que o personagem alucina ser outro, ou ainda da passagem ao atono <strong>de</strong>lírio em que ele esfaqueia a si mesmo, crendo ser o outro persecutório aquem mata.Poe consegue criar progressivamente um clima <strong>de</strong> horror e suspense, <strong>de</strong>vertigem, em que se mesclam, conforme refere Pereira (2008), duas narrativassobrepostas: <strong>de</strong> um lado, conta a sua história, a suposta existência do duplo narealida<strong>de</strong>, que aparentemente é testemunhado por todos; e outra, em que onarrador vai enlouquecendo, ficando fora <strong>de</strong> si, até duelar com o duplo e matá-lo.Somente no final é revelado ao narrador e ao leitor que esse duplo, esseoutro que o persegue, está na verda<strong>de</strong> nele mesmo. É seu Unheimlich, seuestranho, íntimo e familiar, que retorna. Poe mantém o leitor em suspenso, sem<strong>de</strong>ixar claro se se tratou <strong>de</strong> um pesa<strong>de</strong>lo (do qual Wilson acorda horrorizado,narrando seu sonho ao leitor, tentando enten<strong>de</strong>r e explicar o que se passou), ouda narrativa <strong>de</strong> um sujeito psicótico que entra em crise, tem um acesso <strong>de</strong>loucura com passagem ao ato suicida, do qual virá a morrer por consequênciados ferimentos, ou bem <strong>de</strong> uma alucinação, <strong>de</strong> um fenômeno <strong>de</strong> psicose(Lacan,[1953]1987), <strong>de</strong> uma “visão sublunar” do narrador Wilson, que vê durantealgum tempo, horrorizado, sua própria imagem ensanguentada, “morto para omundo” (Poe, 1981, p. 88).O autor consegue <strong>de</strong>ixar o leitor diante <strong>de</strong> um enigma que aponta a bordado real, mas faz isso através da vertigem que <strong>de</strong>ixa o leitor em suspenso numafronteira movediça, numa zona sombria, cinzenta, nem clara, nem escura, semsaber se a borda é imaginária, simbólica ou queda no real.O conto <strong>de</strong> Poe captura o fenômeno mo<strong>de</strong>rno da dissociação dos registrosdo real, do simbólico e da multiplicação do imaginário como resultado dosefeitos sociais do discurso da ciência, como veremos adiante.Consequências subjetivas e sociais do discurso da ciência e tecnologiapercebidas no Homem dos lobosA mesma dissociação dos registros do real e do simbólico é <strong>de</strong>scrita, emoutras palavras, por Freud, no texto História <strong>de</strong> uma neurose infantil, em queconta a história infantil do caso que ficou conhecido como o Homem dos lobos(Freud, [1918] 1996): Sergei Pankejeff alucina, quando criança, horrorizado, ter48

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