Rev. Assoc. Psicanal. <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>, <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>, n. <strong>36</strong>, p. 28-37, jan./jun. 2009TEXTOSANGÚSTIASCONTEMPORÂNEAS 1Rosane Monteiro Ramalho 2Resumo: O artigo parte do romance Homem comum, <strong>de</strong> Philip Roth, para abordaras angústias contemporâneas, manifestas na solidão, no <strong>de</strong>samparo, nafalta <strong>de</strong> sentido na vida, na extrema preocupação com o corpo e no temor emrelação à morte – mais do que com a morte física, com a morte psíquica, amorte do <strong>de</strong>sejo. Além da análise do texto literário, o artigo apresenta tambémum relato clínico para abordar a direção do tratamento psicanalítico nessescasos.Palavras-chave: angústia, contemporaneida<strong>de</strong>, solidão, <strong>de</strong>samparo, morte.CONTEMPORARY ANXIETIESAbstract: This article takes Philip Roth romance The common man to investigatecontemporary anxieties, shown in solitu<strong>de</strong>, in helplessness , in the lack of meaningin life, in the extreme worry with the body and the fear of <strong>de</strong>ath – not a physical<strong>de</strong>ath, but a psychic <strong>de</strong>ath, a <strong>de</strong>ath of the <strong>de</strong>sire. Beyond literary analysis, thearticle also presents a clinical case to discuss the direction of psychoanalyticaltreatment in such cases.Keywords: anxiety, contemporary, solitu<strong>de</strong>, helplessness, <strong>de</strong>ath.1Trabalho apresentado no Congresso da <strong>APPOA</strong>: Angústia, realizado em <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>, emnovembro <strong>de</strong> 2008.2Psicanalista; Membro da <strong>APPOA</strong>; Mestre em Psicologia Clínica - PUC/SP; Professora daResidência Médica em Psiquiatria e da Residência Multiprofissional em Saú<strong>de</strong> Mental, do InstitutoMunicipal Philippe Pinel, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. E-mail: rosaneram@gmail.com28
Angústias contemporâneasUm dos maiores escritores americanos da atualida<strong>de</strong>, Philip Roth é autor <strong>de</strong>mais <strong>de</strong> vinte romances, entre eles: Complexo <strong>de</strong> Portnoy, Pastoral americana,Complô contra a América, A marca humana, O animal agonizante; a partir<strong>de</strong>ste último, recentemente foi realizado um filme cujo título em português é:Fatal 3 . Roth tem recebido vários prêmios literários, sendo candidato constanteao Prêmio Nobel. O sucesso <strong>de</strong> sua obra parece <strong>de</strong>correr não apenas <strong>de</strong> seuestilo peculiar, direto e contun<strong>de</strong>nte, mas também do tema central que atravessasuas narrativas: a angústia do sujeito contemporâneo, manifesta na solidão,no <strong>de</strong>samparo, na <strong>de</strong>pressão, na falta <strong>de</strong> sentido na vida, na extrema preocupaçãocom o corpo e com a limitação <strong>de</strong>ste – a doença, a velhice e a morte.Essa temática é retomada <strong>de</strong> maneira tocante num <strong>de</strong> seus últimos livrosHomem comum (Roth, 2007). O título original do romance, Everyman, vem <strong>de</strong>uma peça anônima do século XV, um clássico da dramaturgia inglesa, cujotema é a convocação dos vivos para o reencontro com os valores cristãos apartir <strong>de</strong> um confronto com a Morte, a figura trágica por excelência. Roth constróiuma história pungente do encontro <strong>de</strong> um homem comum com a morte, masesta se escreve com minúscula, sem o sentido religioso ou transcen<strong>de</strong>nte. Emsua narrativa, a morte é apenas o ponto final da existência. No entanto, a proximida<strong>de</strong><strong>de</strong>sse momento terminal acaba levando o homem comum a <strong>de</strong>parar-secom o vazio <strong>de</strong> sua vida. A crítica logo apontou a afinida<strong>de</strong> temática do livro coma obra prima <strong>de</strong> Leon Tolstói (1997), A morte <strong>de</strong> Ivan Ilich, <strong>de</strong> 1886, na qual umjuiz à beira da morte se dá conta <strong>de</strong> como sua vida havia sido convencional,supérflua, medíocre.Diferentemente do que ocorre na peça do século XV e no romance do fimdo século XIX, na narrativa <strong>de</strong> Roth (2007) não há nenhuma promessa <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção,ou <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> vida para além da morte. Seu personagem chega aofinal da existência para lá encontrar nada mais do que o inventário <strong>de</strong>solador <strong>de</strong>suas escolhas e a somatória pífia <strong>de</strong> seus atos. O homem comum <strong>de</strong> Roth, tãocomum que sequer recebe do autor um nome próprio, é uma metáfora quecon<strong>de</strong>nsa em gran<strong>de</strong> medida a perplexida<strong>de</strong> e a solidão do sujeito contemporâneo.O fato <strong>de</strong> não ter nome sugere ainda que po<strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> qualquer um <strong>de</strong>nós.A história inicia-se após a morte do protagonista – no enterro –, partindodaí para a recapitulação <strong>de</strong> sua trajetória <strong>de</strong> vida. Estamos num cemitério <strong>de</strong>ca-3Com direção <strong>de</strong> Isabel Coixet.29