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Revista n.° 36 - APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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Rosane Monteiro Ramalhodida em que possa dar um contorno a esse real, ou, em outras palavras, nominaresse indizível, transformando essa vivência numa narrativa compartilhada.O fato <strong>de</strong> o paciente colocar em palavras o que até então era vivido comopura angústia consiste na tentativa <strong>de</strong> dar inscrição simbólica ao real, <strong>de</strong> darforma ao vazio. Porém, não se trata <strong>de</strong> preencher esse vazio, mas <strong>de</strong> dar-lheuma borda, um contorno. Como no ato <strong>de</strong> falar há en<strong>de</strong>reçamento a um outro, oanalista, então, ao escutar, passa a ocupar o lugar <strong>de</strong>sse outro a que as palavrassão en<strong>de</strong>reçadas, ao mesmo tempo em que passa a exercer a função <strong>de</strong> testemunhoda narrativa que ali se produz. O reconhecimento, pelo analista, daquiloque é falado pelo paciente (<strong>de</strong>ssa sua experiência narrativa) outorga também àqueleque fala o reconhecimento enquanto sujeito – na medida em que supõe que aliexista um –, possibilitando-lhe, assim, ace<strong>de</strong>r à posição <strong>de</strong> sujeito.O trabalho clínico, nesses casos, requer que o analista se mantenhanem excessivamente longe, nem excessivamente perto do seu paciente, masque consiga sustentar a presença fundamental que possibilite instaurar umaausência, constituindo, então, a possibilida<strong>de</strong> da presença <strong>de</strong> uma ausência,ou seja, <strong>de</strong> uma via simbólica. A partir <strong>de</strong> relação transferencial intensa, quasefusional, sem diferença entre ele e o outro, o analista tenta instaurar um intervalo,tal qual o fort-da freudiano – o que muitas vezes é extremamente complicado,porém essencial, para que seja possível a construção <strong>de</strong> uma narrativa doque, até então, era só vivido <strong>de</strong> forma emu<strong>de</strong>cida ou atuada.Po<strong>de</strong>mos dizer que a angústia que atormentava o meu paciente era semelhanteà do homem comum: expressa no <strong>de</strong>samparo, na solidão, no vazio, na falta<strong>de</strong> sentido na vida – porém numa intensida<strong>de</strong> significativamente maior, potencializada,transbordante, ameaçando inclusive sua frágil consistência psíquica.Para concluir, volto novamente à literatura, <strong>de</strong>sta vez a Fernando Pessoa,mais exatamente ao seu heterônimo, Álvaro <strong>de</strong> Campos, que conseguiu colocarem palavras, <strong>de</strong> forma muito bonita e tocante, o indizível da angústia. É a poesiachamada: Bicarbonato <strong>de</strong> soda.Súbita, uma angústia...Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!Que amigos que tenho tido!Que vazias <strong>de</strong> tudo as cida<strong>de</strong>s que tenho percorrido!Que esterco metafísico os meus propósitos todos!Uma angústia,Uma <strong>de</strong>sconsolação da epi<strong>de</strong>rme da alma,Um <strong>de</strong>ixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...Renego.<strong>36</strong>

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