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Revista n.° 36 - APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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Jaime BettsO avanço da reprodutibilida<strong>de</strong> técnica ten<strong>de</strong> a dissolver os laços <strong>de</strong> pertençadas pessoas, corrói sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> narrar as próprias experiênciaspara um ouvinte testemunha <strong>de</strong> sua história, e coisifica o resto pulsante causa do<strong>de</strong>sejo, transformando-o em lixo <strong>de</strong>scartado pelo consumidor alienado à <strong>de</strong>mandado Outro da publicida<strong>de</strong> e do consumo. Ou, pior, na barbárie explícita, em quetransformamos o ser humano em bucha <strong>de</strong> canhão, dano colateral no embate dosinteresses por ganhos econômicos <strong>de</strong>senfreados e por po<strong>de</strong>r. O outro, sobretudoo estrangeiro, é objeto da barbárie humana em nome do progresso.A era da reprodutibilida<strong>de</strong> técnica produz o estilhaçamento da aura, queper<strong>de</strong> seu registro simbólico, responsável por assegurar ao sujeito sua singularida<strong>de</strong>,e se multiplicam ao infinito suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s imaginárias (como se observanas fotografias dos manequins), os fenômenos do duplo e o ódio ao estrangeiro.Consequências subjetivas e sociais do discurso da ciência e datecnologia transmitidas pelo escritorSe per<strong>de</strong>mos a aura, se eliminamos a aura com a reprodutibilida<strong>de</strong> técnica,excluímos ao mesmo tempo o estranho, no sentido freudiano do termo. Seexcluímos do simbólico o estranho familiar, ele retorna como duplo ameaçador,como intolerância <strong>de</strong>lirante ao estranho estrangeiro, com consequências mortíferas,como po<strong>de</strong>mos constatar no conto William Wilson, <strong>de</strong> Edgar Allan Poe (1981).Este autor é um dos expoentes literários do movimento gótico, assimcomo foram nas artes plásticas William Blake e Henri Fuselli, este último tendopintado, em 1781, o conhecido quadro intitulado O pesa<strong>de</strong>lo (imagem 5).No conto <strong>de</strong> Poe, o personagem e narrador William Wilson se vê progressivamenteconstrangido, <strong>de</strong>safiado, atormentado diante <strong>de</strong> seus colegas, perseguidoon<strong>de</strong> quer que vá, observado o tempo todo por seu duplo, <strong>de</strong> mesmo nomee data <strong>de</strong> nascimento, roupas sempre idênticas, etc. Há somente uma diferençaentre eles: “meu rival tinha no aparelho vocal uma fraqueza que o impedia <strong>de</strong>jamais erguer a voz acima <strong>de</strong> um sussurro muito baixo” (Poe, 1981, p. 92-3).Essa voz sussurrada é ouvida somente por Wilson, embora ele não se dêbem conta disso, nem da invisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu duplo aos olhos dos <strong>de</strong>mais,estranhando em certos momentos a aparente indiferença <strong>de</strong> seus colegas diantedos comentários do duplo.Após Wilson ter sido <strong>de</strong>smascarado por seu duplo, pela última vez, diante<strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong> universida<strong>de</strong>, trapaceando num jogo <strong>de</strong> cartas, em quelevava à ruína seu adversário, ele é obrigado a fugir novamente. O clímax, ouquem sabe, anticlímax, do conto se dá em seguida, na cena final: William Wilsonencontra seu duplo num baile à fantasia, vestindo uma máscara, capa eespada idênticas às suas, e disputando a mesma dama. Wilson, encolerizado,46

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