Ética e mercado no jornalismo catarinenseMONITOR DE MÍDIAlegitimidade e representatividade ao documento.Esses cuidados ampliam o trânsito do documento,mas não garantem o seu efetivo funcionamento.O código deve ser bem elaborado, bemdisseminado, aceito e assimilado pela categoria,mas é preciso ainda que haja formas de operacionalizá-lo.A mais importante é a comissão deética. Tanto as dos sindicatos quanto a da Fenaj,de âmbito nacional. São essas comissões queacolhem as denúncias de procedimentos duvidosos,ouvem as partes, e definem sanções ouo arquivamento do processo. Por serem estratégicas,as comissões de ética precisam ser preservadase fortalecidas, disporem de condiçõesmínimas para funcionamento. Não só para trabalharemem possíveis processos abertos, mastambém para atuarem como disseminadores deuma cultura jornalística responsável. As comissões,neste sentido, não precisam ocupar apenasa posição de órgãos repressores ou censores, mastambém promotores de valores do jornalismo.Por isso, não basta apenas a reforma docódigo. É preciso que as entidades classistas entendamque o fortalecimento das comissões éessencial para que o novo código se institucionalizejunto aos profissionais. Sem esse cuidado,um código deontológico – por mais bem intencionadoque seja – não passa de letra morta.Mas o que muda?À primeira vista, comparados o códigoatual e o de 1986, pode-se notar que a versãoque saiu de Vitória é mais enxuta, já que o documentopassou de 27 para 19 artigos. Vã ilusão.Na verdade, o novo código é mais amploque seu antecessor e combina conteúdos já listadosanteriormente, fundindo artigos, o que dáa impressão de uma peça mais sintética. O códigoaprovado em Vitória contempla as indicaçõeshistóricas da deontologia jornalística no Brasil eadiciona ao menos duas importantes novidades:a cláusula de consciência e preocupações mais nítidascom métodos heterodoxos de obtenção dainformação.No artigo 13, por exemplo, o código de éticafaculta ao jornalista “se recusar a executar quaisquertarefas em desacordo com os princípios desteCódigo de Ética ou que agridam as suas convicções”.A seguir, indica que tal direito não podeser usado como justificativa “para que o jornalistadeixe de ouvir pessoas com opiniões divergentesdas suas”. A chamada cláusula de consciência é omaior avanço do novo código, e ela permite que ojornalista não violente suas convicções em nomedos interesses da empresa para a qual trabalha.Polêmica, a novidade já é um direito conquistadoem países da Europa, por exemplo. Nocontexto nacional, a cláusula de consciência surgena evolução dos debates sobre o assédio moral nomundo do trabalho. Entre repórteres e editores,não é prática rara o hábito de pautar coberturasque não só contrariam as convicções individuaisdesses trabalhadores, mas também desviam-sedas defi n ições do bom jornalismo. Por isso, paracombater os “jabás” ou as “pautas 500”, a cláusulade consciência vem como fator positivo. Entretanto,sabe-se que o mercado e o empresariado dosetor são bastante refratários a tais posicionamentos,condição que deve dificultar a implementaçãodesse direito pra valer. É algo a se conferir nos próximosanos...A segunda grande novidade no novo códigode ética se ocupa dos avanços metodológicos etecnológicos no jornalismo. No artigo 11, o jornalistaé proibido de divulgar informações “obtidashttp://www.univali.br/monitor 86
Ética e mercado no jornalismo catarinenseMONITOR DE MÍDIAde maneira inadequada, por exemplo, com o usode identidades falsas, câmeras escondidas ou microfonesocultos, salvo em casos de incontestávelinteresse público e quando esgotadas todas as outraspossibilidades de apuração”. A proibição – nomesmo artigo – é flexibilizada na medida em queadmite o uso daqueles meios quando impera o interessepúblico ou quando já se tentou de tudo. Ok,ok, mas é necessário criar regras mais específicaspara essas situações? Quem deve arbitrar isso? Asempresas, em normativas internas? As entidades declasse, como a Fenaj?Questionamentos como esses devem se multiplicarnos próximos anos, com a vigência do novocódigo e com a sua assimilação pela categoria, acomeçar pelas gerações em formação e as que desembarcamdiariamente no mercado de trabalho.Nada mal, já que o código de ética pode cumprirmais uma importante função profi s sional: motivarque os jornalistas refl itam e discutam seus limitesde atuação e seu próprio campo de trabalho.http://www.univali.br/monitor87