You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
26 Lusitano de Zurique Crónica<br />
Setembro <strong>2015</strong><br />
Os charlatães do Pontal e o doente imaginário<br />
Coronel Carlos Matos Gomes<br />
Lembrei-me do doente<br />
imaginário a propósito<br />
dos discursos do Pontal.<br />
O Doente Imaginário (Le<br />
Malade Imaginaire) foi a<br />
última peça escrita por<br />
Molière, em 1673. Nela,<br />
Molière satiriza a precária<br />
ciência do seu tempo, a<br />
medicina. Faz uma crítica<br />
feroz à relação médicopaciente,<br />
marcada pela<br />
frieza e pela cupidez. Em<br />
O Doente Imaginário, ele<br />
disserta sobre a má-fé dos<br />
poderosos – neste caso, a<br />
dos médicos, naquela época,<br />
charlatães, na maioria.<br />
Visto do Pontal, pelos olhos<br />
clínicos de Passos Coelho e<br />
Paulo Portas, os portugueses<br />
são doentes imaginários,<br />
estão cheios de saúde<br />
e de ronha. Queixam-se, os<br />
malandros. Se trocarmos<br />
médicos por economistas<br />
da troika e seus agentes<br />
locais durante estes quatro<br />
anos, ficamos com uma<br />
ideia da charlatanice de<br />
quem nos governou. Os<br />
portugueses, como os povos<br />
dos países periféricos<br />
da Europa, somos, infelizmente,<br />
doentes reais e<br />
fomos tratados por charlatães<br />
sem escrúpulos, idênticos<br />
aos que Molière apresentou<br />
como ignorantes e<br />
pretensiosos por ludibriarem<br />
e explorarem os desprotegidos<br />
que lhes caíam<br />
nas garras.<br />
Molière deixou para a<br />
posteridade uma crítica<br />
feroz à medicina, que hoje<br />
assenta como uma luva à<br />
ideologia única da União<br />
Europeia e foi mais longe,<br />
chegou à negação da<br />
própria medicina. O mesmo<br />
que qualquer pessoa<br />
sensata fará a propósito<br />
das receitas das atuais escolas<br />
de economia triunfante<br />
prescritas aos gritos<br />
por Paulo Portas, enquanto<br />
se lhe descolavam as melenas<br />
do crânio liso.<br />
A negação de Moliére teve<br />
origem na sua experiência<br />
com médicos que lhe extorquiam<br />
dinheiro prometendo<br />
saúde, numa época<br />
em que o diagnóstico de<br />
tuberculose equivalia a<br />
uma sentença de morte. As<br />
pobres nações periféricas<br />
estão tuberculosas, como<br />
Moliére estava. As troikas,<br />
Bruxelas e Berlim, o BCE<br />
e o FMI são os médicos<br />
vigaristas que enganam<br />
doentes reais, que eles infectaram<br />
e enfraqueceram,<br />
prometendo-lhes a cura<br />
com remédios desadequados<br />
e empíricos. Empréstimos<br />
sobre empréstimos,<br />
no caso.<br />
A doença tem sintomas<br />
conhecidos. Basta ler títulos<br />
de jornais, ao acaso:<br />
– 34 mil portugueses sem<br />
bens para pagar dívidas.<br />
DN 04 dezembro 2012. A<br />
lista pública de execuções<br />
bateu o recorde de devedores.<br />
O total de dívidas<br />
incobráveis disparou para<br />
os 488 milhões de euros,<br />
à ordem de 67 mil euros<br />
por dia só nos últimos 11<br />
meses. A lista pública de<br />
execuções já tem mais de<br />
34.700 nomes de devedores<br />
que não têm dinheiro<br />
para pagar as dívidas<br />
nem bens para penhorar.<br />
– As dívidas incobráveis<br />
atingem já os 488 milhões<br />
de euros, notícia o Diário<br />
Económico.<br />
– Injunções – O número<br />
de dívidas através do Balcão<br />
Nacional de Injunções<br />
(BNI) disparou de 185.024,<br />
em 2013, para 206.980, em<br />
2014. Os processos que<br />
mais contribuíram para<br />
este aumento dizem respeito<br />
a dívidas de menos<br />
de 500 euros. Notícia ao<br />
Minuto 09/08/15. Isto representa<br />
um aumento de<br />
54%, avança o Jornal de<br />
Notícias.<br />
“são cada vez mais as pessoas<br />
que pedem ajuda na<br />
associação (DECO) com<br />
contas de água, luz, gás<br />
e telecomunicações para<br />
pagar. Muitas delas já em<br />
fase de injunção. No entanto,<br />
e apesar do reconhecimento<br />
da existência<br />
da dívida, não têm dinheiro<br />
para pagar”.<br />
– 7774 portugueses por dia<br />
deixaram de pagar dívidas<br />
ao banco. JN 08/05/2013.<br />
Os portugueses individualmente<br />
estão de corda na