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Gostava de me contar casos e histórias dos seus colegas e<br />
eventuais parceiros como Ignácio Justo, Jorge Scudellari, Eugênio<br />
Colonnese, Rodolfo Zalla, Jayme Cortez, Gedeone Malagola, Júlio<br />
Shimamoto, Getúlio Delphin, Sérgio Lima, Lyrio Aragão, etc...<br />
Lembro que ele tinha especial predileção por Antonio Martin,<br />
roteirista da bruxa Lucivalda e do pai-de-santo Nicolau Praxedes.<br />
Desenhava as histórias da Terrir com um sorriso permanente<br />
estampado no rosto.<br />
Nico Rosso desenhava bem de tudo, do terror ao infantil, mas<br />
parece que ele desenhou poucas histórias de guerra, não?<br />
Eu trabalhei e convivi com muitos e ótimos desenhistas mas, de<br />
todos, o que tinha melhor memória visual era o Nico. Ele teve uma<br />
formação muito sólida em Turim e sabia tudo sobre vestimentas<br />
de todas as épocas, estilos arquitetônicos, objetos, máquinas, ambientes,<br />
paisagens das diferentes regiões do planeta, etc... Poucas<br />
vezes o vi atrás de alguma referência. Estranho saber que há<br />
quem ignore ou não reconheça o sua produção em outros gêneros,<br />
pois testemunhei e colaborei com ele em histórias de faroeste<br />
para as revistas “Pistoleiro Fantasma” e “O Mestiço” que, apesar<br />
do ambiente inusitado, carregam a sua inegável marca. Dizer que ele nunca desenhou histórias de guerra<br />
é uma injustiça com as sua participação admiravel na revista “Combate”, da editora Taika, onde, além do<br />
Nico, colaboravam Eugênio Colonnese, Rodolfo Zalla, etc... e eu que colaborei com ele em quase todas, e<br />
também publiquei a minha primeira história autoral com roteiro, desenhos e finalização. Nesse gênero era<br />
impressionante vê-lo desenhar detalhes de uniformes, armas, tanques-de-guerra por fora e por dentro,<br />
tanto americanos quanto alemães, com uma precisão incrível, em cenários verossímeis, totalmente de<br />
memória. Ele viveu no cenário da Segunda Guerra e captou tudo isso ao vivo e a cores.<br />
Tem alguma história do seu tempo com o Nico Rosso que você gostaria de compartilhar?<br />
Tenho uma história pessoal, que foi decisiva para o meu futuro, e mostra muito o caráter do velho mestre...<br />
Em uma das tardes que fui à sua casa entregar as páginas prontas, ele veio abrir o portão com uma expressão<br />
séria, dizendo que precisávamos ter uma conversa. Logo imaginei que tivesse cometido algum absurdo<br />
na leva anterior, ou algo parecido. Entramos em silêncio, ele me encaminhou para a sala e disse-me que<br />
a minha mãe estivera lá de manhã cedo. Tinha ido para perguntar-lhe se valia a pena eu continuar<br />
investindo no desenho, porque o meu pai trabalhava com isso e o que ganhava era pouco para as despesas<br />
da nossa família. Disse também que gostaria que eu fosse trabalhar em um banco, ou alguma outra área<br />
que me garantisse um futuro melhor. Descarregadas todas as lamúrias,<br />
ele respondeu-lhe que entendia a sua situação mas, se estivesse verdadeiramente<br />
interessada na minha felicidade, que deixasse eu seguir a<br />
minha vida em paz, que eu gostava muito do que fazia, era interessado<br />
em aprender cada vez mais, e estava progredindo bastante no meu trabalho.<br />
E, principalmente, que eu queria evoluir, diferentemente do meu<br />
pai que, por uma série de razões, inclusive de saúde, vivia numa redoma<br />
e o Nico sabia disso pois o conhecia muito bem. À noite tive uma bela<br />
discussão com minha mãe, prometendo a ela e a mim mesmo que nunca<br />
deixaria de seguir o meu caminho. Sou muito grato a ele por ter cortado<br />
definitivamente o meu cordão umbilical. E, algum tempo depois, quando<br />
lhe falei que havia uma oportunidade de emprego para mim em uma<br />
agência, disse-me que tinha o maior orgulho em saber disso, que fosse<br />
adiante sempre. Estou indo até hoje.<br />
Da coleção de Gilberto Marchi.<br />
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