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• HISTÓRIAS<br />
H ISTÓRIAS<br />
cURITIBANAS<br />
A verdade é que dentro<br />
de um ônibus cada<br />
viagem é uma aventura.<br />
Há, claro, diversos<br />
problemas e histórias,<br />
anseios e medos, mas<br />
quando encaramos todas<br />
as situações ali expostas<br />
com um quê de bom<br />
humor, conseguimos<br />
escapar um pouco da<br />
rotina que nos sufoca e<br />
então andar de ônibus<br />
pode ser simplesmente<br />
uma arte.<br />
Ontem, por exemplo,<br />
o relógio já marcava<br />
17h40. Final de tarde, sol<br />
se pondo, clima ameno.<br />
Entro e ele já está cheio,<br />
após passar pela roleta,<br />
me espremo nas pequenas<br />
brechas. Quando<br />
pensava em como me<br />
esgueirar entre um ou<br />
outro espaço, trombo<br />
com uma pequena, já<br />
sentada no colo da mãe.<br />
Ela me encarava, com<br />
um misto de ternura e impaciência.<br />
Sigo em frente, lutando contra a falta de espaço, e agora<br />
vejo uma moça, pouco mais de 1,60 m (metro), cabelos<br />
longos e escuros. Fones nos ouvidos, olhos fechados,<br />
apenas esperando o tempo passar.<br />
Na velocidade do ônibus, a vida prosseguia, às vezes,<br />
rápida; às vezes lenta; pouco depois, uma parada repentina.<br />
E assim íamos sendo levados. No dia seguinte não<br />
a encontrei. E fiz questão de pegar o mesmo ônibus, no<br />
Amor de ônibus<br />
mesmo horário. O que<br />
encontrei, na verdade,<br />
foram mais e mais<br />
pessoas, uma viagem<br />
longa e uma tremenda<br />
frustração. Não havia<br />
quem culpar, exceto<br />
os inúmeros filmes que<br />
contam histórias semelhantes<br />
que dão certo<br />
– culpa minha, claro, ao<br />
crer em algo tão frívolo,<br />
quase irreal.<br />
Uma semana depois,<br />
repetindo o mesmo<br />
ritual, a encontrei.<br />
Era difícil esconder a<br />
felicidade. Trajava uma<br />
camisa do Velvet Underground,<br />
quando o<br />
clichê se torna real.<br />
Cantarolei mentalmente<br />
Sunday Morning. Quis<br />
me aproximar, mas<br />
hesitei, afinal, sempre<br />
pode existir uma próxima<br />
oportunidade, não<br />
é? Ela desceu e alguém<br />
já a esperava. Enquanto<br />
olhava para o nada, ela sorria e beijava o namorado – a<br />
chuva fria invade minha espera. Um beijo, mãos dadas<br />
depois e os dois caminham, até desaparecer na escuridão.<br />
Conforme o ônibus se distancia, a chuva aumenta. Há palavras<br />
não ditas presas na garganta quando chego ao meu<br />
destino e caminho lentamente em direção a porta. Chego<br />
em casa e assumo minha derrota, mas logo reconheço que,<br />
bem, amor de ônibus é assim mesmo: quando o perdemos,<br />
só resta esperar a próxima parada.<br />
Texto: M.B. / Ilustração: Fernanda Domingues<br />
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