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Maio/2016 - Revista VOi 130

Grupo Jota Comunicação

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• HISTÓRIAS<br />

H ISTÓRIAS<br />

cURITIBANAS<br />

Meu lugar, seu lugar<br />

A grande verdade<br />

é que não escolhemos<br />

onde moramos.<br />

País, cidade, bairro<br />

ou casa. Apenas nos<br />

permitimos ficar em<br />

determinado local,<br />

por algum motivo,<br />

torpe ou não. Talvez<br />

tenhamos nascido ali,<br />

ou seja onde nossa<br />

família e amigos estão.<br />

Ou ainda o único<br />

local que nos “ofereceu”<br />

um emprego e<br />

nos permite manter o<br />

aluguel em dia.<br />

Outra grande verdade<br />

é que muitos<br />

que afirmam amar a<br />

cidade onde vivem,<br />

amariam outro lugar<br />

em que fossem forçados<br />

a viver alguns<br />

meses ou anos. No<br />

fundo, é o tempo que estabelece esta conexão, embora a<br />

mudança sempre venha acompanhada de boas doses de<br />

receio e, claro, a simples ideia de adotar outra cidade é<br />

assustadora.<br />

Dias atrás, por exemplo, descia a pé a Cândido Lopes.<br />

Esquina com a Dr. Muricy, havia uma velinha tentando<br />

atravessar a rua. Lentamente, quase parando. Olho para<br />

os lados, em busca de um motorista louco e imprudente,<br />

estes que costumam vir à toa sem medir as consequências.<br />

Não há nenhum e a senhora conseguiu chegar a outro<br />

lado, devagar, quase parando – claramente, mais do que<br />

os carros e o movimento intenso do centro às duas da<br />

tarde, seu maior adversário é aquilo que o tempo já impôs<br />

ao seu corpo.<br />

Despeço-me com<br />

o olhar, enquanto<br />

ela sobe a calçada e<br />

vai em direção a um<br />

prédio qualquer. Sigo<br />

meu caminho até um<br />

restaurante próximo<br />

ao bondinho e Palácio<br />

Avenida. Tarde fria<br />

de outono, céu azul,<br />

uma ou outra nuvem,<br />

como aprendi a gostar.<br />

Vou a um dos meus<br />

restaurantes preferidos,<br />

peço o prato que mais<br />

gosto, sento próximo à<br />

rua e fico observando<br />

o ir e vir.<br />

Vejo duas meninas<br />

de mãos dadas, pessoas<br />

aparentemente sem<br />

rumo, um grupo de<br />

idosos rindo como se o<br />

tempo não importasse<br />

– e, para eles, no fundo<br />

pouco ou nada importa. Há tempo também para pedintes e<br />

moças elegantes, já usando cachecol, afinal, o frio chegou.<br />

O claro contraste curitibano. Mais a frente, um jovem casal<br />

aos beijos, e outro casal de velhinhos passando.<br />

Lá no fundo, o que mantém o ser humano vivo, é sua<br />

capacidade de abstração, de observar elementos distintos<br />

e separá-los da realidade, de sentir aquilo que não se vê e<br />

não se toca. E na rua em uma tarde de terça-feira, enquanto<br />

observo pessoas que não conheço aproveito e peço a alguma<br />

entidade divina que não me faça, por qualquer motivo,<br />

um dia precisar ir embora: ao menos por enquanto, ainda<br />

é possível me achar por ali, sentado em algum banco, a<br />

qualquer hora do dia, como se fosse minha casa.<br />

Texto: M.B. / Ilustração: Fernanda Domingues<br />

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