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última página<br />
Mikolette/iStock<br />
Sobre méritos e pruridos<br />
Stalimir Vieira<br />
Uma das funções mais eticamente complexas<br />
<strong>de</strong> se lidar é a direção <strong>de</strong> criação.<br />
Principalmente quando se faz jus a ela. Circunstância<br />
em que as tentações fazem fila<br />
à porta da consciência. Chamo <strong>de</strong> fazer jus<br />
ter um bom portfólio sempre atualizado. É<br />
ele que vai dar segurança sobre sua capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> resolver as coisas criativamente<br />
– sejam os <strong>de</strong>safios a que assumiu tratar<br />
individualmente, sejam aqueles em que<br />
coor<strong>de</strong>nou e orientou as equipes.<br />
Ser capaz <strong>de</strong> fazer do conjunto <strong>de</strong>ssas<br />
obras – suas e dos outros – a<br />
marca <strong>de</strong> excelência da gestão<br />
e, por consequência, da<br />
imagem da agência, é o gran<strong>de</strong><br />
mérito do diretor <strong>de</strong> criação.<br />
Mas sabemos muito bem<br />
que a conquista <strong>de</strong>ssa percepção<br />
a favor do profissional<br />
não se dá por “combustão<br />
espontânea”. Não basta ser<br />
brilhante na realização do trabalho<br />
para se tornar famoso,<br />
é preciso ser eficaz na divulgação<br />
<strong>de</strong>sse trabalho. Então,<br />
começa o assombro das tentações.<br />
O que dizer numa entrevista sobre uma<br />
peça consagrada, criada sob a sua direção,<br />
mas em que não teve nenhuma interferência<br />
criativa direta? Uma entrevista é diferente<br />
<strong>de</strong> uma ficha técnica, on<strong>de</strong> “fazer justiça”<br />
é burocraticamente simples. Já uma<br />
entrevista é sempre envolvida por uma po<strong>de</strong>rosa<br />
ambiência política no que se refere à<br />
própria ascensão ou à afirmação do seu gênio,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do momento da carreira.<br />
Ali o diretor <strong>de</strong> criação não estará dialogando<br />
com a sua equipe, movido por i<strong>de</strong>ais<br />
<strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> e reconhecimento dos méritos<br />
alheios, mas competindo com ambições<br />
<strong>de</strong> mercado que, para serem alcançadas,<br />
“O diretOr<br />
<strong>de</strong> criaçãO<br />
vencedOr<br />
talvez precise<br />
ter, ainda,uma<br />
habilida<strong>de</strong><br />
extraOrdinária<br />
<strong>de</strong> antecipar-se”<br />
exigem do caráter uma combinação <strong>de</strong> características<br />
menos comum, que talvez ele<br />
tenha e o restante da equipe não. Significa<br />
dizer, por exemplo, que, na disputa por<br />
glória e po<strong>de</strong>r, levar preceitos <strong>de</strong> justeza às<br />
raias da santida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong> uma ingênua<br />
ineficácia. E agora? Há quem se retroalimente<br />
com um argumento que não <strong>de</strong>ixa<br />
<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>iro: eu criei as condições<br />
para isso, então sou coautor <strong>de</strong> tudo o que<br />
veio <strong>de</strong>pois. Mais ou menos como Deus, ao<br />
criar o mundo.<br />
Para aten<strong>de</strong>r às expectativas da mídia<br />
também hão <strong>de</strong> ser cumpridas algumas praxes:<br />
afinal, apren<strong>de</strong>mos que<br />
não basta um fato ter ocorrido<br />
para que vire notícia. Para<br />
uma obra aparecer é preciso<br />
que a autoria reverbere. E, assim,<br />
agência, cliente e criação<br />
se beneficiam. É sobre esse<br />
fio <strong>de</strong> navalha que caminha o<br />
diretor <strong>de</strong> criação, buscando<br />
equilibrar-se entre uma reputação<br />
respeitável e uma reputação<br />
respeitada.<br />
O resultado final <strong>de</strong>ssa busca<br />
vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do exercício <strong>de</strong> uma inteligência<br />
capaz <strong>de</strong> afinar algumas crenças,<br />
às vezes, contraditórias. Importante, por<br />
exemplo, que sua generosida<strong>de</strong> seja sempre<br />
suficiente para atenuar os seus “pecados”:<br />
um conjunto <strong>de</strong> pequenas bonda<strong>de</strong>s constrói<br />
crédito para uma gran<strong>de</strong> “malda<strong>de</strong>”. O<br />
diretor <strong>de</strong> criação vencedor talvez precise<br />
ter, ainda, uma habilida<strong>de</strong> extraordinária<br />
<strong>de</strong> antecipar-se, junto a equipe, às eventuais<br />
injustiças contidas numa informação,<br />
que serão sempre <strong>de</strong>bitadas à negligência<br />
<strong>de</strong> terceiros.<br />
Enfim, se trata <strong>de</strong> uma missão para a qual<br />
nem todos estão preparados. Às vezes por<br />
falta <strong>de</strong> talento, às vezes por excesso <strong>de</strong><br />
pruridos.<br />
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing<br />
stalimircom@gmail.com<br />
50 6 <strong>de</strong> <strong>novembro</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> - jornal propmark