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Revista Curinga Edição 20

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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o offline que encontramos coragem para extravasar<br />

emoções e repressões, além de expor nossas<br />

opiniões, quase como se o ambiente virtual<br />

fosse um escudo dessa intermediação. A tela se<br />

torna sinônimo de proteção e nos permite termos<br />

atitudes que, face a face, não teríamos,<br />

como é o caso dos bullyings virtuais.<br />

Em setembro de <strong>20</strong>12, Vittoria de Andrade<br />

Perantoni foi alvo da infantilidade – como definido<br />

por ela – de quatro colegas de classe no<br />

Ensino Médio. Na época com 16 anos, a adolescente<br />

sofreu ataques anônimos em seu perfil no<br />

Ask Fm – plataforma onde as pessoas podem fazer<br />

perguntas anônimas ou identificadas em<br />

seu perfil. Os comentários de cunho gordofóbico<br />

e até sexual duraram em torno de três dias e<br />

só pararam após a intervenção da escola.<br />

O motivo? Desconhecido. “Eu não sei ao certo<br />

o que levou a isso. Quem convive com esse tipo de<br />

violência sabe que muitas vezes estes ataques ocorrem<br />

sem algum motivo específico. Não tinha rivalidade<br />

nenhuma com eles”, crava. Mas o fato de não<br />

se encaixar nos padrões estéticos, ser introvertida e<br />

ter a auto estima baixa foi o que encorajou os garotos<br />

que, na escola, já trocavam piadinhas internas e<br />

riam pelas costas da menina. “Tinha medo de sofrer<br />

algum tipo de ataque, mas de certa forma foi inevitável.<br />

A sensação que eu tenho é que eles sabiam<br />

o meu ponto fraco. Eu não me aceitava e usavam<br />

disso para me atingir”, relata Vittoria.<br />

Os ataques abalaram ainda mais a autoestima<br />

de Vittoria. “Durante uma semana só sabia chorar”.<br />

A mãe sofreu junto. A hipótese de mudar de escola<br />

surgiu, mas logo foi descartada pela adolescente.<br />

“Não era certo eu mudar, até porque não tinha feito<br />

nada. Passei a me impor, a ter voz e não aceitar ser<br />

tratada desta forma”. O tratamento psicológico foi<br />

fundamental para sua descoberta pessoal. “Depois<br />

disso comecei a me aceitar e a me amar, independente<br />

do meu corpo estar dentro dos padrões ou<br />

não. Me sinto mais confiante hoje em dia para ser<br />

quem eu sou e tomar minhas decisões.”<br />

Hoje com <strong>20</strong> anos e estudante de Direito, não se<br />

arrepende de não ter denunciado os ataques. “Eram<br />

menores. Eu só queria que eles pudessem tirar um<br />

aprendizado disso e se desculpassem de verdade,<br />

não que fizessem por obrigação”, finaliza.<br />

Crimes como o que aconteceu com Vittoria, categorizados<br />

como “Crimes contra a honra”, registram<br />

16% das denúncias recebidas pela Delegacia<br />

Especializada de Investigações de Crimes Cibernéticos<br />

de Belo Horizonte (DEICC). Em <strong>20</strong>12, o número<br />

total de denúncias registradas foi de 1084 ocorrências.<br />

Quatro anos depois, o número é quase o dobro,<br />

atingindo a marca de 2139 ocorrências.<br />

Segundo o analista Wander, o Marco Civil da<br />

Internet trouxe a público discussões envolvendo<br />

segurança virtual, o que mostrou à sociedade que<br />

esses crimes são passíveis de punição e que a internet<br />

não é uma “terra sem lei”, justificando o aumento<br />

das denúncias. Outro ponto apontado pelo<br />

analista é o fato de existirem delegacias virtuais,<br />

espaços que possibilitam que os usuários reportem<br />

agressões, ofensas e até mesmo a prática de spam.<br />

O mundo virtual é um espelho no qual o nosso<br />

reflexo é distorcido e oscila entre a representação do<br />

real e aquilo que queremos que vejam de nós. Mas<br />

somos induzidos a pecar ou a internet é uma facilitadora<br />

para que essas ações aconteçam? Através<br />

das suas ferramentas, ganhamos a possibilidade de<br />

definir novos e vários perfis, formas de manipular<br />

os “eus” de acordo com nossos desejos.<br />

De acordo com a psicóloga Elen Cristina Pedrosa,<br />

“a expansão das redes sociais redefine, hoje, a<br />

maneira de viver em sociedade (interação, posturas,<br />

valores e formas de comunicação), modificando as<br />

noções de tempo e espaço, amplificando e pluralizando<br />

as relações”. As plataformas virtuais nada<br />

mais são que ferramentas que contribuem para novas<br />

formas de proliferação dos pecados. A escolha<br />

por não pecar segue inatingível. Já manipular os<br />

pecados, nem tanto.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>20</strong> 17

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