Chicos 55 - 22.12.2018
Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática. Neste número, o poeta da primeira página é Luiz Ruffato. Dono de uma obra em prosa consagrada em vários idiomas mundo afora, é autor de uma poesia que merece ser lida pela qualidade.
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A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
Neste número, o poeta da primeira página é Luiz Ruffato. Dono de uma obra em prosa consagrada em vários idiomas mundo afora, é autor de uma poesia que merece ser lida pela qualidade.
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nho de barro do mestre Vitalino -, enviado por<br />
um diretor de arte de São Paulo chamado Laerte<br />
Agnelli, que havia trabalhado seis meses em Lisboa.<br />
Desenhador podia, claro!<br />
Apressou-se em comprar ficha e se valer de um<br />
telefone público. Galveias Rodrigues o atendeu<br />
prontamente. Em menos de uma hora já estava<br />
em seu gabinete. E dele sendo levado a conhecer<br />
os estúdios de filmagem, sala de projeção,<br />
filmes produzidos, story-boards de comerciais<br />
em produção e, por fim, a ala dos criativos. Foi<br />
aí que o nome de Alexandre O’Neill lhe foi mencionado<br />
pela segunda vez, nessa manhã. Logo,<br />
quase que o conhecia, antes de a ele ser apresentado.<br />
O poderoso Galveias Rodrigues despediu-se, deixando-o<br />
aos cuidados do seu próprio redactor,<br />
“um poeta bestial, pá”, que adorava o Brasil,<br />
sem nunca lá ter ido. Deu para notar isso logo à<br />
entrada da sua sala, que tinha uma das paredes<br />
decorada com crônicas de Rubem Braga, Fernando<br />
Sabino, Paulo Mendes Campos, Vinícius<br />
de Moraes e Rachel de Queirós.<br />
— Com que então és brasileiro! – ele exclamou.<br />
– Nasceste num país grande e por isso andas pelo<br />
mundo como se estivesses atravessando um<br />
quintal.<br />
- E o que dizer dos portugueses, que nasceram<br />
num país pequeno e se meteram em quase todos<br />
os cantos do planeta?<br />
- Ó pá! Agora me destes uma volta.<br />
Ato contínuo, Alexandre O’Neill levou sua inesperada<br />
visita à parede, na qual colara também<br />
poemas de João Cabral de Melo Neto. Ao mostrá-los,<br />
disse ter sido o organizador de uma antologia<br />
de João Cabral publicada pela Portugália<br />
Editora, em 1963. E que era amigo dele. Costumava<br />
visitá-lo em Sevilha, onde o poeta brasileiro<br />
da sua maior admiração diplomaciava, como<br />
cônsul do Brasil. Encerrando esse capítulo, comentou<br />
o rigor de João Cabral com as palavras,<br />
que lhe parecia obsessivo:<br />
- Ele afia tanto a ponta do lápis que ainda vai<br />
acabar cortando os dedos.<br />
<strong>Chicos</strong><br />
Antes de partirem para almoçar, ele pegou o seu<br />
paletó, que estava pendurado nas costas de uma<br />
cadeira. Enquanto o vestia, surpreendeu o brasileiro<br />
com uma observação prosaica:<br />
- É bonito este teu casaco.<br />
- O teu também é bacana.<br />
- Mas não tem o corte e o caimento deste<br />
teu.<br />
- Foi feito sob medida, para a viagem. No<br />
entanto, não tem lá essas diferenças do teu. A<br />
não ser na cor.<br />
- Queres trocar?<br />
Então o brasileiro passou-lhe o seu paletó<br />
azul e vestiu um marrom. Os dois encaminharam<br />
-se para um espelho. E concordaram que a permuta<br />
havia caído bem em cada um. Além de<br />
selar o começo de uma amizade, que atravessaria<br />
os tempos. Foi na casa de Alexandre O’Neill<br />
que o brasileiro encontrou guarida, ao ficar desempregado<br />
em Lisboa – e por quatro meses! –,<br />
sendo assim recebido, à Rua da Saudade, 23:<br />
- Não precisas de emprego, mas escrever.<br />
Vou te tratar a pão e água, para que escrevas.<br />
- E por que achas que tenho que escrever.<br />
- Porque um dia, logo ao chegares, recitastes<br />
para mim, de memória, trechos e mais trechos<br />
de Scott Fitzgerald. Então eu pensei: “Tenho que<br />
levar esse gajo a sério”.<br />
Amigo<br />
Mal nos conhecemos<br />
Inauguramos a palavra “amigo”<br />
“Amigo” é um sorriso<br />
De boca em boca,<br />
Um olhar bem limpo,<br />
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,<br />
Um coração pronto a pulsar<br />
Na nossa mão!<br />
“Amigo” (recordam-se, vocês aí,<br />
Escrupulosos detritos?)<br />
“Amigo” é o contrário de inimigo!<br />
“Amigo” é o erro corrigido,<br />
Não o erro perseguido, explorado,<br />
É a verdade partilhada, praticada.<br />
“Amigo” é a solidão derrotada!<br />
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