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Chicos 55 - 22.12.2018

Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática. Neste número, o poeta da primeira página é Luiz Ruffato. Dono de uma obra em prosa consagrada em vários idiomas mundo afora, é autor de uma poesia que merece ser lida pela qualidade.

Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais.
A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
Neste número, o poeta da primeira página é Luiz Ruffato. Dono de uma obra em prosa consagrada em vários idiomas mundo afora, é autor de uma poesia que merece ser lida pela qualidade.

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contaram uma história... engraçada? Vá lá.<br />

Consta por aqui que, quando você agonizava na<br />

cama de um hospital, disse que queria a presença,<br />

ao pé dela, do presidente da República, que<br />

não era outro senão Mário Soares. Ao saber disso,<br />

ele foi visitá-lo. Mas deixou o hospital sem<br />

entender nada. Você o teria enxotado, aos berros:<br />

“Tirem esse homem daqui! Quem o chamou?<br />

Não quero falar com ele!”<br />

Feita essa digressão (para você rir aí um pouquinho<br />

de si mesmo), volto ao telefonema da<br />

Leonor Xavier: “Tu aqui e o O’Neill cá já não<br />

está”. Desligou e veio correndo, não sei se para<br />

me ver ou ao Raul Solnado, com quem andava<br />

estremecida, mas pelo que pude perceber acabaram<br />

voltando às boas.<br />

Seja como for, gostei de revê-la. A última vez<br />

que a havia visto foi numa festa no Rio de Janeiro,<br />

patrocinada por ela, há muitos anos — para<br />

José Saramago! O que acaba de levar o Prêmio<br />

Camões. A propósito, estranhei um cidadão que<br />

me interpelou no Procópio. Ele havia me visto<br />

na televisão, a dizer bem do premiado. Disseme,<br />

na lata, ao jeito lusitano sem peias, que não<br />

entendia o fascínio brasileiro pelo Saramago.<br />

- Esse gajo é um chatarrudo, um antipático,<br />

que vive a dizer mal de Portugal — e continuou<br />

desatando uma data de impropérios nada glorificantes<br />

a respeito do velho Zé, que está famoso<br />

como um corno, e com toda pinta de Prêmio<br />

Nobel. Mas aqui lhe sovam. Imagine os estilhaços<br />

verbais que sobraram para mim, por ter participado<br />

do júri e dito na televisão que o prêmio<br />

era justo etc. Chiça! Tudo como dantes. Dizer<br />

<strong>Chicos</strong><br />

mal de toda a gente é uma tradição portuguesa,<br />

com certeza.<br />

Também diziam muito mal de você, eu me<br />

lembro. Quando você fazia um programa na televisão<br />

e tinha uma coluna no Diário de Lisboa.<br />

Deviam pensar que você estava de tripa forra,<br />

com dinheiro saindo pelo ladrão. Sem terem antes<br />

o cuidado de verificar o seu saldo bancário.<br />

A vida é assim. Ou será uma coisa em forma de<br />

assim?<br />

Se sobreviver a esta madrugada que avança<br />

com as horas cada vez mais se vestindo de números,<br />

escreverei umas linhas a seu respeito,<br />

nem que seja apenas para dizer que você foi um<br />

amigo como poucos.<br />

E não foi?<br />

Rio de Janeiro, 6 de fevereiro de 2007.<br />

*<br />

Pois, pois. Cá estou, sobrevivendo às minhas<br />

próprias “mós de baixo”. E condenado ao seu<br />

auto-de-fé:<br />

Folha de terra ou papel,<br />

Tudo é viver, escrever...<br />

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