Chicos 55 - 22.12.2018
Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática. Neste número, o poeta da primeira página é Luiz Ruffato. Dono de uma obra em prosa consagrada em vários idiomas mundo afora, é autor de uma poesia que merece ser lida pela qualidade.
Chicos é uma e-zine que circula apenas pelos meios digitais.
A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
Neste número, o poeta da primeira página é Luiz Ruffato. Dono de uma obra em prosa consagrada em vários idiomas mundo afora, é autor de uma poesia que merece ser lida pela qualidade.
- TAGS
- vanderlei-pequeno
- jose-vecchi-de-carvalho
- andressa-barichello
- antonio-torres
- eltania-andre
- geraldo-lima
- antonio-jaime-soares
- emerson-teixeira-cardoso
- jose-antonio-pereira
- antonio-geraldo-f-ferreira
- natalia-correia
- simone-de-andrade-neves
- whisner-fraga
- ronaldo-cagiano
- ines-lourenco
- fernando--abritta
- flausina-marcia-da-silva
- helen-massote
- luiz-ruffato
- chicos
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
“Amigo” é uma grande tarefa,<br />
Um trabalho sem fim,<br />
Um espaço útil, um tempo fértil,<br />
“Amigo” vai ser, é já uma grande festa!<br />
Claro está que aquele brasileiro ainda não havia<br />
lido isto. E que, até o dia 25 de junho de<br />
1965, não fazia a menor idéia de quem era Alexandre<br />
Manuel Vahia de Castro O’Neill de Bulhões<br />
– por um lado, neto de um irlandês, e, por<br />
outro, parente de Santo Antônio, que também<br />
era um Bulhões. Portanto, não sabia que ele, aos<br />
40 anos, era um dos maiores nomes das letras<br />
portuguesas do século 20, às quais legou páginas<br />
memoráveis, sobretudo em versos, como os<br />
de “Um adeus português”, “A pluma caprichosa”,<br />
“O poema pouco original do medo”, “O<br />
país relativo”, “Portugal”.<br />
Sua obra poética está toda reunida num só<br />
volume, de mais de 500 páginas. Publicou livros<br />
de crônicas, com títulos curiosos, como “As horas<br />
já de números vestidas” e “Uma coisa em<br />
forma de assim”. Amou muitas mulheres (o brasileiro<br />
desta história conheceu algumas delas:<br />
Noêmia, a mãe de seu filho Xaninha, Pâmela e<br />
Teresa, com quem teve outro filho). Mudou de<br />
endereço uma vez, para a Rua da Escola Politécnica,<br />
48. Teve um programa de TV, coluna em<br />
jornal, e muitos patrões, até não achar mais<br />
quem lhe desse emprego. Entre os altos e baixos,<br />
viveu à rasca, ou seja, com problemas de<br />
dinheiro. Viajou ao Brasil em 1983, quando conheceu<br />
o Rio, São Paulo, Salvador e Fortaleza,<br />
fazendo parte de uma delegação de escritores,<br />
que incluía José Saramago, Lídia Jorge, José<br />
Cardoso Pires e Lobo Antunes. (Ao embarcar de<br />
volta a Lisboa, no Galeão, disse: - Quem chega<br />
por este aeroporto pela primeira vez, fica a achar<br />
que está a chegar num dos países mais ricos do<br />
mundo.).<br />
Alexandre O’Neill bebeu e fumou demais.<br />
Sofreu o primeiro enfarto aos 52 anos. Morreu<br />
no dia 21 de agosto de 1986, aos 62.<br />
Em 6 de julho de 82, ele havia publicado no<br />
Jornal de Letras, de Lisboa, a seguinte crônica:<br />
“Quando se está com pane cardíaca o universo<br />
míngua e um sujeito ‘desliga’. Passa para a<br />
categoria de ‘bom doente’ para ver se salva o<br />
canastro, mas não tem propriamente medo. Só<br />
tem medo que se enganem nos remédios e lhe<br />
<strong>Chicos</strong><br />
enfiem os que são para algum vizinho... De resto,<br />
nada mais, a não ser que, quando se volta<br />
para casa, se sente tudo fora do sítio e não se<br />
acredita que o canastro volte à normalidade.<br />
Nem com um jornal na mão se pode andar. Nem<br />
se pode caminhar contra o vento. Nem... Nem...<br />
Nem... Até que um dia um sujeito se sente de<br />
repente melhor que novo e recomeça a fazer asneiras...”<br />
Lisboa, 6 de novembro de 1995.<br />
*<br />
“Numa noite escura da alma são sempre<br />
três horas da manhã”.<br />
Alexandre O’Neill: esta frase aí é de Scott<br />
Fitzgerald (lembra?) e serve à perfeição para revestir<br />
as horas já de números vestidas, sem que<br />
eu consiga pegar no sono. Vem um motorista<br />
me buscar aqui no hotel, às sete, para me levar<br />
ao aeroporto, onde devo embarcar para Roma,<br />
se sobreviver até lá. Que coisa estranha: rodei,<br />
rodei, rodei para, afinal, vir morrer em Lisboa.<br />
Estou com medo. E achando que desta noite não<br />
escapo. Não adianta mudar de posição na cama,<br />
deitar de lado até o ombro doer, esperando que<br />
o sono chegue. Já fui ao banheiro várias vezes,<br />
me olhei no espelho, pra ver se há algum sinal<br />
de morte na minha cara, que parece normal. Já<br />
bebi potes de água, e nada do sono baixar. É<br />
estranho mesmo. Muito estranho. Para piorar as<br />
coisas, vêm-me à memória uns versos da sua<br />
lavra:<br />
Eu estava bom pra morrer<br />
nesse dia.<br />
Não tinha fome nem sede,<br />
nem alarme ou agonia.<br />
Comigo me desavenho nas horas que vão se<br />
vestindo de branco.<br />
Estou no Hotel Tivoli, na Avenida da Liberdade.<br />
Ainda há pouco cheguei à janela e vi as árvores<br />
negras, peladas, desvestidas de folhas, como<br />
em todos os outonos de Lisboa. E pensei:<br />
“Provavelmente um dia eu já tenha vivido aqui.<br />
Mas isso faz muito tempo. Foi no tempo de Alexandre<br />
O’Neill”. O que escreveu:<br />
62