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STORYTELLER<br />
Kladyk/iStock<br />
Mulheres, cautela!<br />
“O presente é horrível<br />
e por isso o futuro é negro”<br />
Lula Vieira<br />
ara que não se me atire o impropério<br />
“P<strong>de</strong> reacionário, <strong>de</strong>siludido ou pessimista,<br />
citarei no <strong>de</strong>curso <strong>de</strong>ste texto a autorizada<br />
opinião <strong>de</strong> alguns homens que não<br />
se confun<strong>de</strong>m com a obscurida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem<br />
subscreve este artigo. O que acontece é que<br />
torna-se imprescindível uma imediata reação<br />
por parte dos homens, notadamente<br />
os chefes <strong>de</strong> família, para que o mal não se<br />
amplie ainda mais do que se tem alastrado.<br />
Digo eu que cada chefe <strong>de</strong> família que<br />
ainda não per<strong>de</strong>u a sensatez e a prudência<br />
está na obrigação inadiável <strong>de</strong> aumentar os<br />
cuidados em sua casa e no <strong>de</strong>ver imperioso<br />
<strong>de</strong>, sem subterfúgios, sem evasivas, sem<br />
tibiezas, arrancar as filhas e mulheres <strong>de</strong>ssas<br />
atitu<strong>de</strong>s que contrariam o bom senso e<br />
a dignida<strong>de</strong> como se observa hoje na vida<br />
social. Cada chefe <strong>de</strong> família, repito, tem<br />
a necessida<strong>de</strong> rigorosa <strong>de</strong> prestar atenção<br />
para o traje e os pensamentos das filhas e<br />
da consorte, para lembrar-lhes aquilo que<br />
<strong>de</strong>monstrem que esqueceram do código da<br />
virtu<strong>de</strong>. É crime <strong>de</strong> lesa-pátria o chefe <strong>de</strong> família<br />
que não afasta do lar dos ares envenenados<br />
<strong>de</strong> fora e, sob o irrisório pretexto <strong>de</strong><br />
que é moda ou pensamento geral, inva<strong>de</strong>m<br />
seu domínio pela linguagem chula, pelos<br />
pensamentos ina<strong>de</strong>quados, pelos trajes e<br />
pelas atitu<strong>de</strong>s que comprometem. Não me<br />
caberia a honra <strong>de</strong>smedida <strong>de</strong> ser brasileiro<br />
se <strong>de</strong>ixasse passar a ocasião que se me oferece<br />
a ventilar este problema. Sei bem que<br />
corro o perigo <strong>de</strong> resvalar no ridículo e escorregar<br />
na zombaria. Não existe cena mais<br />
inapropriada do que um cavalheiro <strong>de</strong> minha<br />
profissão vir a público pregar sermões<br />
<strong>de</strong> moral. Dou <strong>de</strong> ombros. Suportarei com<br />
paciência o peso do ridículo se minha voz<br />
repercutir num só ouvido. É preciso que se<br />
ouça com atenção o que os gran<strong>de</strong>s educadores,<br />
os verda<strong>de</strong>iros lí<strong>de</strong>res espirituais, as<br />
autorida<strong>de</strong>s médicas alertam. Estamos – e<br />
trata-se <strong>de</strong> conclusões respaldadas pela ciência<br />
– no limiar da <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>gradação<br />
da espécie e das conquistas civilizatórias.<br />
A mulher nasceu para viver no lar e respirar<br />
na família conforme nos ensina a natureza<br />
em sua sábia e divina evolução. Hoje<br />
já corre o mundo o provérbio francês que<br />
‘mulher fora <strong>de</strong> casa está <strong>de</strong>ntro do perigo’.<br />
O trabalho masculino exercido pela mulher<br />
lhe amortece a inclinação pela família,<br />
brutaliza seus sentimentos, lhe dá hábitos<br />
impróprios e lhe rouba a timi<strong>de</strong>z própria<br />
do seu sexo. Se ela trabalhando foge das<br />
responsabilida<strong>de</strong>s do lar e pensa que se<br />
torna livre, submete-se em realida<strong>de</strong> à escravidão<br />
e à <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> suas funções<br />
públicas. O convívio entre homens que não<br />
po<strong>de</strong>m respeitá-la pela ausência <strong>de</strong> laços<br />
<strong>de</strong> parentesco só lhe é nocivo. As homenagens<br />
que seus companheiros <strong>de</strong> trabalho<br />
lhe emprestam são iguais às que as abelhas<br />
ren<strong>de</strong>m às flores que têm viço e perfume,<br />
poluindo-as aos poucos e murchando-as<br />
lentamente, aniquilando-as para sempre.<br />
O presente é horrível e por isso o futuro é<br />
negro. Mães brasileiras, alerta! Moças brasileiras,<br />
cautela! Seja vosso lema, vosso<br />
estandarte a vossa ban<strong>de</strong>ira, a expressão<br />
latina da virtuosa mulher romana Cornélia<br />
Graccio inscrita no frontispício <strong>de</strong> seu lar:<br />
PROPUDOR. Isto significa que se espera da<br />
mulher compostura, <strong>de</strong>cência, pudicícia,<br />
sensatez, virtu<strong>de</strong> e pureza nos costumes”.<br />
Este texto, evi<strong>de</strong>ntemente editado por<br />
mim, respeitando a i<strong>de</strong>ia original e obe<strong>de</strong>cendo<br />
o espírito do linguajar, foi publicado<br />
na Revista Souza Cruz, em maio <strong>de</strong> 1926,<br />
assinada por Gabriel Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Faria. Eu<br />
recebi <strong>de</strong> presente <strong>de</strong> Natal a coletânea em<br />
edição especial e a tenho lido como um documento<br />
precioso da evolução (ainda que<br />
tímida) das conquistas sociais e do progresso<br />
da socieda<strong>de</strong> nestes anos.<br />
Suprimi, nesta primeira fase, alguns<br />
conceitos datados que po<strong>de</strong>riam, antes da<br />
revelação da ida<strong>de</strong> do texto, suprimir a graça<br />
da coisa. Pois Gabriel Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Faria<br />
cita muitos doutores que garantem que as<br />
danças mo<strong>de</strong>rnas (para a época, claro) são<br />
terríveis para a saú<strong>de</strong> da mulher, trazendo<br />
(sic) “atrasos orgânicos terríveis, inclusive<br />
perturbações circulatórias”.<br />
E mais, comemora à certa altura o tal<br />
Gabriel que felizmente nossos legisladores<br />
“ainda não cometeram a loucura <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r<br />
o voto às mulheres” e que “enquetes<br />
recentes” mostram que 90% dos homens<br />
entrevistados confessaram que preferiam<br />
jamais casar com suas companheiras <strong>de</strong><br />
danças, pois não há esperanças para as moças<br />
que se enlaçam com homens em público,<br />
causando a si mesmas males físicos e<br />
psicológicos. Este artigo tem menos <strong>de</strong> 100<br />
anos. Evoluímos muito, se observarmos algumas<br />
opiniões <strong>de</strong> nossos contemporâneos?<br />
É só uma pergunta.<br />
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa<br />
e da Approach Comunicação, radialista, escritor,<br />
editor e professor<br />
lulavieira@grupomesa.com.br<br />
28 <strong>14</strong> <strong>de</strong> <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark