Propaganda_814
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Linha Direta<br />
Não à house oficial<br />
Por Armando Ferrentini<br />
O novo governo federal, preocupado<br />
com erros do passado praticados<br />
por um número reduzidíssimo<br />
de agências de propaganda que<br />
atendiam contas oficiais – e que<br />
já pagaram devidamente por isso<br />
–, lançou um balão de ensaio na<br />
imprensa em geral revelando sua<br />
preocupação com esses desvios de<br />
conduta (já devidamente reparados)<br />
e anunciou sua intenção de criar<br />
uma house agency.<br />
Para quem não sabe, pois o termo até caiu em desuso entre<br />
nós, embora algumas (poucas) grandes corporações ainda<br />
mantenham as suas agências da casa, o termo em tradução<br />
livre quer dizer exatamente isso: empresas de comunicação<br />
prestadoras de serviços, pertencentes a determinados grupos<br />
empresariais, criadas quase que exclusivamente para<br />
atender os interesses publicitários das demais empresas de<br />
cada grupo.<br />
Dos anos 60 aos anos 80 do século passado, as houses, se<br />
não eram comuns, existiam em maior número do que hoje.<br />
O passar do tempo, porém, foi demonstrando que uma<br />
house, se apresenta a vantagem do seu lucro ficar literalmente<br />
“em casa”, tem mais desvantagens do que essa hoje<br />
pequena vantagem, tendo em vista a derrogação da Lei<br />
4680/65.<br />
A principal delas reside a nosso ver em manter suas diversas<br />
equipes (criação, mídia, atendimento, planejamento, administração<br />
etc.), atendendo a um único cliente, mesmo que<br />
seja um conglomerado de empresas ou instituições, como<br />
no caso do governo federal.<br />
Essa condição estreita os olhares dos seus profissionais,<br />
sempre mais atilados quando a concorrência provoca<br />
questionamentos junto ao mercado, uma das principais características<br />
de valorização da livre iniciativa.<br />
O leitor poderá arguir que há empresas estatais que disputam<br />
o mercado, como a Petrobras, o Banco do Brasil e outras<br />
delas em outros segmentos. Em contrapartida, porém,<br />
eram atendidas por uma house que não “briga” no mercado<br />
para se manter e manter os seus clientes em alto nível de<br />
atendimento.<br />
Sempre haverá, no caso, a prevalência de uma tranquilidade<br />
que não faz bem ao produto final criativo e concorrencial<br />
de uma agência da iniciativa privada.<br />
Chegou a ser noticiado que uma das preocupações do<br />
novo governo com a sua publicidade seria a malversação<br />
das verbas e uma possível corrupção agindo. Lembramos<br />
à equipe de governo que cuidaria dessa house, que essa<br />
característica de agência da casa poderá até facilitar aplicações<br />
escusas de verbas publicitárias.<br />
Assim não fosse e não teríamos presenciado recentemente<br />
aos territórios mensalões instituídos não se sabe bem desde<br />
quando, mas que vieram com força à tona no governo<br />
passado, revelando um índice de corrupção em empresas<br />
estatais de arrepiar.<br />
Outra grande desvantagem apresentada pelas houses ao<br />
longo da sua história reside na condição salarial dos seus<br />
principais profissionais. Como se sabe, os melhores publicitários,<br />
principalmente aqueles que comandam o setor de<br />
criação das agências, têm salários elevados, que não encontrariam<br />
paralelo na administração pública, com os seus<br />
tetos legalmente estabelecidos.<br />
Em um mercado onde o talento é supervalorizado – e nem<br />
poderia ser diferente – o embate salarial seria inevitável,<br />
ainda que em um regime autárquico como seria essa house<br />
oficial.<br />
Como observadores do mercado publicitário brasileiro desde<br />
há muito, desaconselhamos nossas autoridades a aquecer<br />
essa ideia da house. Se ela fosse boa, todos os grandes<br />
e até médios anunciantes manteriam uma agência da casa...<br />
dentro da casa. Aliás, como já dissemos acima, essa era uma<br />
prática mais comum até a primeira metade, ou um pouco<br />
mais que isso, do século passado. E antes das houses, havia<br />
os departamentos próprios de publicidade, que faziam toda<br />
a publicidade da empresa-anunciante, desde a criação até<br />
a entrega final das campanhas e anúncios isolados à mídia.<br />
O avanço dessa etapa redundou nas houses e o avanço<br />
do mercado, cada vez mais concorrencial, com muitas empresas<br />
disputando o mesmo segmento praticamente em<br />
todos os países e ainda mais com a economia globalizada,<br />
acabou resultando no apoio irrestrito das agências independentes,<br />
hoje inclusive pertencentes a grandes conglomerados...<br />
de agências.<br />
Voltar ao passado, como se sabe, não é um bom caminho<br />
empresarial. Ele deve ser olhado apenas como referência,<br />
com seus exemplos que deram certo dentro da realidade<br />
do mundo empresarial da época.<br />
Hoje, com raras exceções, a house é apenas uma história<br />
a ser contada aos mais jovens, que não assistiram à sua derrocada.<br />
Armando Ferrentini<br />
é diretor-presidente da Editora Referência<br />
aferrentini@editorareferencia.com.br<br />
30<br />
fevereiro de 2019