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eyond the line<br />
maxkabakov/iStock<br />
A panaceia<br />
da tecnologia<br />
O importante é sabermos contrabalançar<br />
os dois mundos, o humano e o tecnológico<br />
Alexis Thuller PAgliArini<br />
Mudou a forma <strong>de</strong> reservar o campo <strong>de</strong><br />
futebol do meu condomínio. Des<strong>de</strong> o<br />
upgra<strong>de</strong> <strong>de</strong> “terrão” para grama artificial,<br />
o campo <strong>de</strong> futebol society começou a ser<br />
mais <strong>de</strong>mandado e aí a administração <strong>de</strong>cidiu<br />
estabelecer reservas por intermédio<br />
<strong>de</strong> um app, <strong>de</strong>senvolvido especificamente<br />
para tal. Até aí, tudo bem. É mais mo<strong>de</strong>rno,<br />
coisa e tal...<br />
Acontece que os pela<strong>de</strong>iros estavam<br />
acostumados a chegar <strong>de</strong> manhã à beira<br />
do campo, no domingão, e ver seus nomes<br />
escritos numa prosaica lousa, formando os<br />
dois times. Formou, o jogo começa! Se houver<br />
espera, novos nomes vão sendo inseridos<br />
na lousa, esperando o jogo terminar.<br />
Pois bem, o tal sistema “tecnológico” <strong>de</strong><br />
reserva está dando problema. Ao chegar na<br />
manhã <strong>de</strong> domingo pra jogar, os habituées<br />
do campinho <strong>de</strong>scobriram que uns garotos<br />
reservaram o campo e ninguém po<strong>de</strong> entrar...<br />
Como assim? Cadê os que reservaram?<br />
E está feita a confusão.<br />
Exponho esse singelo exemplo do meu<br />
condomínio para levantar uma questão.<br />
Nem sempre a solução mais “tecnológica”<br />
é a mais a<strong>de</strong>quada para <strong>de</strong>terminadas situações.<br />
Estamos todos nos tornando <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
da tal tecnologia, <strong>de</strong>sprezando soluções<br />
simples, mas que funcionam.<br />
Quer ver outro exemplo? Eu chego a um<br />
evento e paro no cre<strong>de</strong>nciamento. “Você baixou<br />
o QR co<strong>de</strong> da sua inscrição?” “Acho que<br />
sim, mas não sei on<strong>de</strong> salvei.” “Sinto muito,<br />
mas precisa do QR co<strong>de</strong>”. “O sistema não<br />
mostra uma relação <strong>de</strong> inscritos em or<strong>de</strong>m<br />
alfabética? O meu nome começa com A; você<br />
vai achar rapidinho...”. Dez segundos <strong>de</strong>pois,<br />
eu estava com a minha cre<strong>de</strong>ncial.<br />
Eu sei que é bacana o uso do QR co<strong>de</strong>; é<br />
mo<strong>de</strong>rno (nem tanto) e coisa e tal... Mas,<br />
gente, às vezes o processo analógico funciona<br />
muito bem. E não <strong>de</strong>vemos nos sentir<br />
menos atualizados por usá-lo.<br />
Outro exemplo: estamos num almoço coletivo.<br />
Pedimos a conta, com notas fiscais individuais,<br />
para os acertos na “firma”. O “sistema”<br />
não aceita. Peralá! Quem é esse “sistema”<br />
que está acima da vonta<strong>de</strong> humana? O<br />
que ocorre é que há uma pressão psicológica<br />
para que estejamos sempre up to date com a<br />
tecnologia. Uma simples relação <strong>de</strong> nomes<br />
em or<strong>de</strong>m alfabética para checar inscrições<br />
num evento não é algo mo<strong>de</strong>rno, não é tecnológico.<br />
Mas funciona! E, às vezes, mais rápido<br />
do que o “sistema”.<br />
Não sou resistente às mudanças, muito<br />
menos às soluções inovadoras. Muito ao contrário,<br />
por ser um tiozão, até forço para ser<br />
um early adopter <strong>de</strong> traquitanas tecnológicas.<br />
Só pra me sentir mo<strong>de</strong>rnão (rsrsrs).<br />
Mas, vamos com calma, a tecnologia<br />
não é, necessariamente, a cura para todos<br />
os males. Dia <strong>de</strong>sses ouvi a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />
um dirigente <strong>de</strong> uma das gran<strong>de</strong>s – e boas<br />
– agências brasileiras dizendo-se cansado<br />
<strong>de</strong>ssa busca obstinada pelo novo, pelo tecnológico.<br />
“Às vezes, o tradicional bem feito<br />
é mais eficaz. E tudo bem! Não <strong>de</strong>vemos<br />
nos sentir ‘ultrapassados’ por isso.”<br />
E noto que essa sensação não só minha<br />
e <strong>de</strong> um grupo pequeno <strong>de</strong> tiozões. Ela foi<br />
amplamente <strong>de</strong>batida nas duas últimas<br />
edições do Cannes Lions, contrapondo a<br />
panaceia tecnológica com os valores humanos.<br />
E a conclusão a que se chega é a<br />
que <strong>de</strong>vemos aproveitar, sim, o melhor da<br />
tecnologia, mas sem abandonar o que nos<br />
<strong>de</strong>fine como seres humanos.<br />
Vamos <strong>de</strong>ixar, sim, as Siris e Alexas resolverem<br />
nossas <strong>de</strong>mandas banais, mas<br />
não vamos <strong>de</strong>ixar que elas dominem as<br />
nossas vidas.<br />
A tecnologia <strong>de</strong>ve estar a nosso serviço e<br />
não o contrário. É inevitável que muitas posições<br />
<strong>de</strong> trabalho sejam substituídas por máquinas,<br />
algoritmos e inteligência artificial.<br />
Mas outras posições <strong>de</strong> características mais<br />
humanas serão abertas, em contrapartida.<br />
Talvez a conta seja <strong>de</strong>sfavorável, mas o<br />
importante é sabermos contrabalançar os<br />
dois mundos, o humano e o tecnológico,<br />
com serenida<strong>de</strong> e sem nos submetermos<br />
facilmente ao mais mo<strong>de</strong>rno, simplesmente<br />
por ser mais tecnológico.<br />
Definitivamente, a tecnologia não é a<br />
poção milagrosa que curará todos os males<br />
do mundo. Somos nós, seres humanos, que<br />
po<strong>de</strong>mos fazer isso.<br />
Alexis Thuller Pagliarini é superinten<strong>de</strong>nte<br />
da Fenapro (Fe<strong>de</strong>ração Nacional das Agências<br />
<strong>de</strong> Propaganda)<br />
alexis@fenapro.org.br<br />
22 5 <strong>de</strong> <strong>agosto</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark