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Gesta marial de um varão católico<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante<br />
o período de sua<br />
convalescença<br />
contrarrevolucionária os dois enormes<br />
olhos escuros e sevilhanos que me<br />
acompanhavam a todo o momento 2 .<br />
Porque eu vejo pelas repercussões<br />
posteriores que ele, com piedade filial,<br />
prestou atenção em tudo, analisou<br />
e tirou conclusões de tudo. Nossa<br />
Senhora foi servida em que ele ficasse<br />
edificado com o que viu. Até<br />
que ponto essa edificação poderia<br />
ter concorrido para depois ele ter realizado<br />
o que fez? Em medida talvez<br />
não pequena. E se assim foi, fica inteiramente<br />
de pé que nesse momento<br />
eu estava sofrendo e ajudando a ele<br />
para trazer tantos e tantos outros.<br />
Há certas coisas de que eu tenho<br />
certeza que só se ensinam ou se sancionam<br />
pelo exemplo no momento<br />
em que a morte está próxima. É<br />
a mais augusta tabeliã que há sobre<br />
a Terra. O que se passa em presença<br />
dela raramente é a fraude, porque<br />
ela avança e desmascara tudo! É o<br />
juízo que está atrás dela; ela não faz<br />
senão servir de arauto ao juízo. E ao<br />
ouvir os passos do grande Juiz que<br />
vem, é preciso ser quase satânico para<br />
não ter medo e não pedir perdão!<br />
Tenho assistido a muitos enterros<br />
em minha vida. Como é natural, está<br />
na ordem das coisas, um bom número<br />
deles de pessoas perfeitamente<br />
insignificantes. O primeiro homem<br />
que eu vi morrer em minha vida era<br />
um coitado. Lembro-me de tê-lo visto<br />
esticado num jardim, com os braços<br />
para trás, lívido, com os olhos vidrados.<br />
Podia ser a imagem, a personificação<br />
do homem insignificante.<br />
Mas ao olhá-lo às voltas com a morte,<br />
a tragédia da vida humana aparecia<br />
e a grandeza da morte também;<br />
e por detrás disso, a grandeza<br />
d’Aquele a quem a morte prenuncia.<br />
Naquele momento pude compreender<br />
a forma de grandeza de que<br />
aquele pobre coitado era capaz, embora<br />
não a tivesse realizado. Veio-me,<br />
então, uma reflexão que nunca mais<br />
abandonei em minha vida: Se esse coitado<br />
é capaz de tanta grandeza, todo<br />
homem é grande, desde que seja fiel!<br />
A verdade é que na presença da<br />
morte as coisas tomam essas dimensões.<br />
Se houvesse em minha alma<br />
alguma superficialidade...<br />
Se ver a morte por detrás de mim<br />
pode vos ter ajudado, como dou por<br />
bem empregado, como isso me contenta,<br />
como fico alegre! Como considerar<br />
o que naquele momento se me<br />
apresentou? Imaginem que eu tivesse<br />
uma certa superficialidade de alma<br />
e nessa hora ela aparecesse. Que<br />
efeito isso causaria?<br />
O desastre ocorreu em 1975,<br />
quando eu tinha sessenta e seis anos.<br />
Com essa idade já foi para trás uma<br />
vida. Todos conhecem bem o meu<br />
passado. Posso dizer que aos olhos<br />
dos homens – não ouso dizer aos<br />
olhos de Deus – é um passado solidamente<br />
estruturado, coerente, lógico,<br />
limpo, rumando contínua e abnegadamente<br />
para um mesmo fim.<br />
Senti um frêmito quando, em mocinho,<br />
li numa das conferências da<br />
Université des Annales que Bayard, o<br />
cavaleiro do tempo de Francisco I e<br />
de Carlos V, era chamado “le chevalier<br />
sans peur et sans reproche” 3 . Volto<br />
a dizer: eu não ousaria afirmar isto<br />
de mim aos olhos de Nossa Senhora,<br />
mas aos olhos dos homens, sim. Os<br />
nossos adversários não têm coragem<br />
de negá-lo! A respeito do meu passado,<br />
os lábios deles que só destilam<br />
a calúnia ficam em silêncio. Porque<br />
se me inculpassem, eu lhes perguntaria:<br />
“Quando me viram ter peur e<br />
quando me puderam fazer um reproche?<br />
Apontem!” E por saberem que<br />
esta seria a resposta, ficam quietos.<br />
Na realidade, se houvesse em minha<br />
alma alguma superficialidade, apesar<br />
da continuidade dessa obra, ela apareceria<br />
aos olhos do filho, do amigo, do<br />
discípulo. E se aparecesse, poderia causar<br />
uma insegurança – não creio que<br />
fosse a dúvida – quiçá um empenho<br />
menor, em algo o impulso diminuiria.<br />
E decrescendo na alma dele, diminuiria<br />
em todos aqueles que deveriam estar<br />
sob sua orientação. O menor impulso<br />
equivaleria a um minguamento quantitativo<br />
e qualitativo, o que por sua vez<br />
significaria um minguamento de minha<br />
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