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Divulgação (CC3.0)<br />
— Mas eu não sei tomar uma atitude<br />
viva.<br />
— Olhe, fique bem perto deste<br />
sofá, ponha seu pé aqui, sua mão no<br />
queixo...<br />
Eu executei o que ele quis, mas<br />
pensando em outras coisas. Ele me<br />
fotografou nessa situação.<br />
No que eu pensava? Era um meio-<br />
-pensar e meio-sentir. Nessa minha<br />
idade, não podia ser uma especulação<br />
filosófica, abstrata, nem eu tinha<br />
talento para fazer isso. Era algo quase<br />
prosaico, mas assim: sempre gostei<br />
enormemente de toda espécie e grau<br />
de vento: brisa, ventinho, ventania,<br />
tufão... Lembro-me de que naquele<br />
dia soprava sobre mim uma brisa ligeiramente<br />
tendente para fresca, e<br />
eu estava vestindo uma roupa muito<br />
arejada. Sentia-me, assim, inundado<br />
pela brisa, leve, refrigerado, e a<br />
claridade do dia parecia ter uma reversibilidade<br />
com o frescor discreto<br />
da brisa. Parecia-me haver um nexo,<br />
mas não sabia qual, entre todos aqueles<br />
prazeres e um lado invisível onde<br />
havia brisas e cores absolutas, como<br />
esta Terra não tem.<br />
Naturalmente, nesta comparação<br />
entram as características minhas.<br />
Portanto, sendo eminentemente colorista,<br />
as cores, brisas e temperaturas<br />
falam-me muito.<br />
Então, por exemplo, um nácar,<br />
num dia como aquele, mais do que<br />
em outros, levava-me a ideia para<br />
um nácar perfeito, mas que me parecia<br />
ter um parentesco com uma porção<br />
de outras cores perfeitas simbolizadas<br />
pelas cores contingentes que<br />
eu via em torno de mim. Isso eu percebia<br />
vagamente, não tinha inteligência<br />
para formular, mas a minha<br />
sensibilidade era como se esse nácar<br />
perfeito fosse meio vivo, ou habitasse<br />
numa terra, fosse de uma zona<br />
onde as cores eram bem vivas. De<br />
fato, não era assim, mas uma sensação<br />
do absoluto e de Deus, e de que,<br />
com a ajuda de Nossa Senhora, eu<br />
chegaria até lá.<br />
Eu mantinha o olhar voltado para<br />
essa zona de modo permanente, mas<br />
com graus de intensidade muito desiguais.<br />
No dia dessa fotografia, não sei<br />
por que, era muito maior. Entretanto,<br />
quer nos dias maiores, quer nos menores,<br />
mais ou menos eu percebia o<br />
nexo disso com milhares de outras coisas<br />
que formavam uma transesfera 1 .<br />
A parte mais rica, produtiva<br />
e fina da inteligência<br />
de um homem<br />
Parece-me que isso tem<br />
certa relação com o discernimento<br />
dos espíritos. Quando<br />
se tem isso muito fino, percebe-se<br />
melhor nos outros qual<br />
é o estado de alma. Sobretudo,<br />
a primeira nota que se toma a respeito<br />
de alguém, e que dá a clave<br />
em função da qual essa pessoa<br />
deve ser interpretada, é ver como<br />
ela está em relação a essas<br />
riquezas de alma. Sem isso as<br />
correlações não se fazem.<br />
A meu ver, essa é a parte mais rica,<br />
mais produtiva e fina da inteligência<br />
de um homem. Não é inteligência universitária.<br />
É um pensar, sentir, querer,<br />
onde a reversibilidade entre essas três<br />
potências da alma se nota melhor.<br />
O amor a essa transesfera é o início,<br />
a orla do amor de Deus. Para esse<br />
amor, o homem se volta por interesse<br />
ou desinteresse? Esta é uma pergunta<br />
fundamentalmente mal feita, porque<br />
aí o interesse e o desinteresse se<br />
fundem num píncaro mais alto. Aí está<br />
o verdadeiro amor de Deus. Exatamente,<br />
a dissociação entre interesse e<br />
desinteresse põe-se num nível menor.<br />
Se eu tiver que renunciar a um interesse<br />
para conservar isso, eu o farei.<br />
Mas nisso há uma coisa que supera o<br />
interesse e o desinteresse. É o movimento<br />
inteiro de minha alma; por todas<br />
as razões de meu desinteresse e<br />
de meu interesse eu pendo para lá.<br />
Não sei quantos problemas há na<br />
vida espiritual em que nós passamos<br />
dez, quinze, vinte anos remexendo<br />
inutilmente; e quanto mais remexe,<br />
mais desgasta o terreno e mais o cobre<br />
com a poeira das decepções, porque<br />
a solução não está ali, mas sim<br />
no que estou dizendo. Como também<br />
problemas de desequilíbrio nervoso.<br />
Então, toma um remédio para<br />
se equilibrar. Eu até sou favorável ao<br />
remédio quando o desequilíbrio chegou<br />
a tal ponto que não tem outro jeito.<br />
Mas esta é uma contemporização<br />
necessária, não a solução. A solução<br />
é isto de que estamos tratando. Seria<br />
até a nossa resposta à Psiquiatria contemporânea.<br />
O absoluto é melhor do<br />
que a Psiquiatria. Viver para um ideal<br />
resolve problemas de nervos. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/5/1984)<br />
1) Termo criado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para significar<br />
que, acima das realidades visíveis,<br />
existem as invisíveis. As primeiras constituem<br />
a esfera, ou seja, o universo material;<br />
e as invisíveis, a transesfera.<br />
Fotógrafo exercendo seu ofício<br />
no início do século XX<br />
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