Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
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e para onde vai<br />
i a lado nenhum”<br />
, um antigo salão de jogos que agora é restaurante-bar-sala-de-concertos-e-tudo-o-mais-que-vier,<br />
. Afi nal, o que é que Coimbra não t<strong>em</strong>? Sandra Silva Costa (texto) e Paulo Pimenta (fotos)<br />
nifrates, que t<strong>em</strong> um percurso na área<br />
do teatro amador muito consistente.<br />
Mas os protagonistas não chegam.”<br />
Voz aos protagonistas, então. A Isabel<br />
Craveiro, directora artística d’O<br />
Teatrão, que nos abre a porta <strong>da</strong> Tabacaria,<br />
uma <strong>da</strong>s salas de espectáculos<br />
<strong>da</strong> Oficina <strong>Municipal</strong> do Teatro (OMT),<br />
para onde a companhia se mudou no<br />
final de 2008. “Coimbra ain<strong>da</strong> sofre<br />
um bocado do mito de estar para<strong>da</strong><br />
no t<strong>em</strong>po, mas acho que é só conversa.<br />
Do meu ponto de vista, é possível<br />
fazer cá coisas, e com resultados b<strong>em</strong><br />
conseguidos. O probl<strong>em</strong>a é que ain<strong>da</strong><br />
há uma espécie de folclore à volta <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de que a torna um bocado anacrónica.<br />
Isso condiciona a visão de<br />
Coimbra, que parece uma ci<strong>da</strong>de onde<br />
as coisas não acontec<strong>em</strong>, como se<br />
a tradição a sufocasse.”<br />
A ver<strong>da</strong>de é que acontec<strong>em</strong>: veja-se<br />
o caso d’O Teatrão. Com subsídios<br />
anuais de 150 mil euros <strong>da</strong> Direcção-<br />
Geral <strong>da</strong>s Artes e 60 mil euros <strong>da</strong> Câmara<br />
<strong>Municipal</strong> de Coimbra – “muito<br />
pouco, quando comparados com os<br />
de outras companhias”, realça Isabel<br />
Craveiro –, o ritmo de produção e programação<br />
<strong>da</strong> companhia é assinalável.<br />
O relatório de activi<strong>da</strong>des de 2009<br />
(olhámos para este ano por incluir<br />
uma compilação definitiva e fiável dos<br />
<strong>da</strong>dos) <strong>da</strong> companhia assinala a produção<br />
de quatro espectáculos: “Cenas<br />
de Espera I e II”, na Tabacaria, com<br />
91 espectadores <strong>em</strong> duas apresentações;<br />
“Refuga”, com os adolescentes<br />
como público-alvo; “Fios e Labirintos”,<br />
um projecto pe<strong>da</strong>gógico <strong>em</strong> colaboração<br />
com a Câmara <strong>Municipal</strong> e<br />
a Escola Superior de Educação de<br />
Coimbra; “Boa Alma de Setzuan”, um<br />
regresso d’O Teatrão a Brecht que levou<br />
à OMT 562 espectadores; e “D.<br />
Quixote (de Coimbra)”: 72 apresentações<br />
que entraram por Janeiro deste<br />
ano, com uma média de 94 espectadores<br />
por noite. E depois houve um<br />
não mais acabar de acolhimento de<br />
espectáculos – desde Ana Deus aos<br />
Gaiteiros de Lisboa, passando pela<br />
companhia de Paulo Ribeiro. Ao todo,<br />
passaram <strong>em</strong> 2009 pela OMT 15. 452<br />
espectadores – uma média de 71 por<br />
espectáculo. “Nós não faz<strong>em</strong>os só espectáculos,<br />
faz<strong>em</strong>os espectáculos<br />
para chegar<strong>em</strong> às pessoas, e perceb<strong>em</strong>os<br />
que elas estão disponíveis para<br />
ser trabalha<strong>da</strong>s enquanto público”,<br />
observa Isabel Craveiro.<br />
E o público também encara “com<br />
muita simpatia” o trabalho que A Escola<br />
<strong>da</strong> Noite v<strong>em</strong> fazendo <strong>em</strong> Coimbra<br />
há 18 anos, informa, por sua vez,<br />
António Augusto Barros, director artístico<br />
<strong>da</strong> companhia, que há menos<br />
de dois anos é a residente do Teatro<br />
<strong>da</strong> Cerca de S. Bernardo, uma bela<br />
sala de espectáculos que ain<strong>da</strong> cheira<br />
a novo. Regra geral, assist<strong>em</strong> aos espectáculos<br />
d’A Escola <strong>da</strong> Noite cerca<br />
de 100 pessoas, quando a sala t<strong>em</strong><br />
capaci<strong>da</strong>de para 180, adianta Pedro<br />
Rodrigues, produtor <strong>da</strong> companhia.<br />
“Coimbra é uma ci<strong>da</strong>de boa para trabalhar,<br />
boa para experimentar, boa<br />
para um projecto se desenvolver”,<br />
considera António Augusto Barros,<br />
mas esbarra num probl<strong>em</strong>a fun<strong>da</strong>mental:<br />
o “feedback”.<br />
Discurso directo: “Um dos grandes<br />
probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong> área artística é a questão<br />
do ‘feedback’. Nós não somos muito<br />
bafejados pela sorte, não t<strong>em</strong>os cá<br />
comunicação social, t<strong>em</strong>os muita dificul<strong>da</strong>de<br />
<strong>em</strong> meter notícias. Os jornais<br />
só falam de Lisboa, para eles o<br />
resto é paisag<strong>em</strong>. Qu<strong>em</strong> man<strong>da</strong> nos<br />
jornais nunca tira o cu de Lisboa,<br />
aconteça o que acontecer, mesmo o<br />
Porto t<strong>em</strong> muita dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> meter<br />
notícias. A informação cultural é muito<br />
regionalista, muito coloniza<strong>da</strong> <strong>em</strong><br />
termos de amiguismo e de clientela.<br />
Costumo dizer: Jorge Silva Melo a sul<br />
e Ricardo Pais a norte. E isto significa<br />
uma per<strong>da</strong> para o país todo.”<br />
Isabel Craveiro faz uma leitura simi-<br />
lar. “T<strong>em</strong>os muita dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> chamar<br />
a atenção <strong>da</strong>s pessoas para o que<br />
aqui vamos fazendo. Neste momento<br />
não há um crítico de teatro que venha<br />
assistir aos espectáculos.” E mais:<br />
tratando-se de companhias subsidia<strong>da</strong>s,<br />
a directora d’O Teatrão entende<br />
que a activi<strong>da</strong>de deveria ser escrutina<strong>da</strong>.<br />
“Se os dinheiros são públicos,<br />
então por favor fiscaliz<strong>em</strong>-nos.”<br />
Antes de cortarmos o microfone ao<br />
teatro e o abrirmos ao cin<strong>em</strong>a, mais<br />
duas achas para a fogueira. António<br />
Augusto Barros: “A Escola <strong>da</strong> Noite<br />
faz muitas digressões pelo país, mas<br />
não vai ao Porto e a Lisboa porque<br />
não há salas disponíveis para acolher<br />
os nossos espectáculos.” Isabel Craveiro:<br />
“Há uns t<strong>em</strong>pos recebi um ‘<strong>em</strong>ail’<br />
<strong>da</strong>ndo conta <strong>da</strong> presença de<br />
Valentin Teplyakov [professor <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia<br />
Russa de Artes de Moscovo]<br />
‘pela primeira vez <strong>em</strong> Portugal’. Ele<br />
já tinha estado duas vezes <strong>em</strong> Coimbra.<br />
Não veio a Lisboa? Então não<br />
aconteceu.”<br />
Navegar à vista<br />
E a nós o que nos aconteceu?<br />
Andámos perdidos <strong>em</strong> Cernache,<br />
a uns 15 quilómetros de Coimbra, debaixo<br />
de um calor ain<strong>da</strong> mais sufocante,<br />
à procura de um ovni. A custo,<br />
chegamos à Rua Ribeira de Casconha,<br />
mas n<strong>em</strong> sombras <strong>da</strong> Persona Non<br />
Grata, a produtora de cin<strong>em</strong>a que o<br />
realizador António Ferreira instalou<br />
num antigo lagar de azeite. Perd<strong>em</strong>onos,<br />
an<strong>da</strong>mos às voltas, usamos o tel<strong>em</strong>óvel.<br />
Lá está António, ao fundo<br />
<strong>da</strong> rua, de calções e t-shirt, a acenarnos.<br />
Chegamos finalmente ao ovni.<br />
Visto de fora, este é apenas um edifício<br />
agrícola recuperado e, não se<br />
tivesse <strong>da</strong>do o caso de António Ferreira<br />
ter convi<strong>da</strong>do a freguesia a visitar<br />
a produtora, ninguém diria que<br />
“Há uns t<strong>em</strong>pos,<br />
recebi um ‘mail’<br />
<strong>da</strong>ndo conta <strong>da</strong><br />
presença de Valentin<br />
Teplyakov ‘pela<br />
primeira vez <strong>em</strong><br />
Portugal’. Ele já tinha<br />
estado duas vezes<br />
<strong>em</strong> Coimbra. Não veio<br />
a Lisboa? Então não<br />
aconteceu”, desabafa<br />
Isabel Craveiro<br />
<strong>da</strong>qui sa<strong>em</strong> filmes para o mundo ou<br />
“videoclips” para a Disney. A Persona<br />
Non Grata está ligeiramente fora do<br />
contexto: rodea<strong>da</strong> de campos de milho,<br />
implanta<strong>da</strong> numa zona completamente<br />
rural, onde a vi<strong>da</strong> acontece<br />
devagar – nas ruas, na igreja e no café<br />
ali do lado. É por isso que lhe chamamos<br />
“ovni”. Como também poderíamos<br />
chamar (mas não chamamos)<br />
extraterrestre a António Ferreira – ele<br />
que detém a única produtora de cin<strong>em</strong>a<br />
fora de Lisboa e do Porto.<br />
Circunstâncias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>: “Estou aqui<br />
porque sou de Coimbra, se não não<br />
estaria, isso é óbvio. Mas de qualquer<br />
forma estou aqui um pouco por teimosia.<br />
Chegámos a Cernache há quatro<br />
meses, antes estávamos <strong>em</strong> Coim-<br />
Alexandre L<strong>em</strong>os, director <strong>da</strong> RUC Licenciado <strong>em</strong><br />
Programação Cultural, Alexandre L<strong>em</strong>os é o representante <strong>em</strong> Portugal<br />
<strong>da</strong> editora Bubok. Para além disso, integra a companhia de teatro<br />
Marionet, que t<strong>em</strong> residência no Centro de Neurociências e explora as<br />
relações entre o teatro e a ciência<br />
bra, no centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, mas já não<br />
tínhamos condições para lá estar. Se<br />
estivéss<strong>em</strong>os <strong>em</strong> Lisboa, não sei até<br />
que ponto conseguiríamos produzir<br />
ao custo a que conseguimos produzir<br />
aqui. E no ano passado produzimos<br />
três longas-metragens, três curtas, aí<br />
uns dez ‘videoclips’.”<br />
Tudo isto para dizer que sim, faz<strong>em</strong>-se<br />
coisas <strong>em</strong> Coimbra. “Há certos<br />
agentes que, por sua conta, têm <strong>da</strong>do<br />
alguma visibili<strong>da</strong>de à cultura na ci<strong>da</strong>de.<br />
Não é, seguramente, à custa <strong>da</strong><br />
câmara”, diz António Ferreira – e agora<br />
está definitivamente posto o dedo<br />
na feri<strong>da</strong>. “T<strong>em</strong>os tido apoio zero. No<br />
ano passado filmámos uma longa to<strong>da</strong><br />
<strong>em</strong> Coimbra e n<strong>em</strong> sequer nos livraram<br />
<strong>da</strong>s taxas de ruído e de ocupação<br />
<strong>da</strong> via pública. Só t<strong>em</strong>os queixas<br />
a fazer. An<strong>da</strong>mos há dez anos a<br />
produzir <strong>em</strong> Coimbra e ain<strong>da</strong> nos perguntam<br />
se somos de Coimbra.”<br />
Mais de Coimbra não há – este poderia<br />
muito b<strong>em</strong> ser o slogan <strong>da</strong> RUC,<br />
a rádio que, <strong>em</strong> 107.9 FM e desde<br />
1989, põe a ci<strong>da</strong>de e os seus estu<strong>da</strong>ntes<br />
no mapa. Aqui estamos nós no<br />
edifício <strong>da</strong> Associação Académica, a<br />
ouvir pe<strong>da</strong>ços de Origami, o programa<br />
que, às 17h30, se dedica à música<br />
electrónica. Mas para Alexandre L<strong>em</strong>os,<br />
o actual director <strong>da</strong> RUC, agora<br />
a música é outra. “<strong>Em</strong> muitos aspectos,<br />
a cultura <strong>em</strong> Coimbra é basilar<br />
para a cultura portuguesa, mas quando<br />
nos pomos a pensar quando foi a<br />
última vez que tiv<strong>em</strong>os notícias culturais<br />
de Coimbra, aí t<strong>em</strong>os razões<br />
para ficar preocupados”, diz.<br />
Agora <strong>em</strong> veloci<strong>da</strong>de de cruzeiro<br />
comenta: “Passaram sete anos desde<br />
a CNC e não aconteceu na<strong>da</strong> a seguir.<br />
Aliás, perderam-se coisas: o TAGV, a<br />
grande sala de espectáculos que t<strong>em</strong>os,<br />
passou de uma sala com programação<br />
própria para uma sala que<br />
acolhe espectáculos apenas – e às vezes<br />
de quali<strong>da</strong>de duvidosa.”<br />
Abrimos um parêntesis para <strong>da</strong>r<br />
voz a Isabel Vargues, directora do TA-<br />
GV desde Set<strong>em</strong>bro de 2008: “Quando<br />
entrei, estávamos num processo<br />
de arrumar a casa. Agora somos uma<br />
fun<strong>da</strong>ção, com tudo o que isso implica.<br />
Continuamos a colaborar muito<br />
com a Associação Académica, correspond<strong>em</strong>os<br />
aos pedidos <strong>da</strong>s escolas.<br />
E duvido de qual seja o interesse de<br />
termos peças de teatro com duas ou<br />
três pessoas a assistir. Creio que aí<br />
estamos a falar de grandes criações<br />
narcísicas. Se o TAGV hoje já não ocupa<br />
o lugar que ocupava? Hoje há uma<br />
oferta enorme: o Teatro <strong>da</strong> Cerca de<br />
S. Bernardo, o Salão Brazil, o Café<br />
Santa Cruz... Há uma febre de produção<br />
de acontecimentos culturais <strong>em</strong><br />
espaços que antes não se dedicavam<br />
tanto a isso. São públicos diferentes,<br />
e o TAGV não está preocupado com<br />
protagonismo.”<br />
Fechamos o parêntesis e volta-<br />
Ípsilon • Sexta-feira 16 Julho 2010 • 15