Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
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festival<br />
Está para a música de<br />
<strong>da</strong>nça dos últimos anos como Prince<br />
esteve para o funk dos anos 80, reduzindo<br />
as proprie<strong>da</strong>des electrónicas e<br />
as dinâmicas rítmicas ao mínimo, mas<br />
expondo o máximo de <strong>em</strong>oções. É um<br />
sonoplasta, alguém que abor<strong>da</strong> o som<br />
e a sua activi<strong>da</strong>de, como DJ e produtor,<br />
de forma minuciosa e ética, como<br />
se constata vendo o documentário<br />
(“Villalobos”) que estreou no festival<br />
de Veneza e que foi exibido no Indie-<br />
Lisboa <strong>em</strong> Abril.<br />
Figura central <strong>da</strong> música electrónica<br />
de <strong>da</strong>nça <strong>da</strong> última déca<strong>da</strong> é também<br />
uma personali<strong>da</strong>de misteriosa.<br />
“Inicialmente hesitei um pouco quando<br />
me convi<strong>da</strong>ram para o documentário”,<br />
afirma, “mas o realizador [Romuald<br />
Karmakar] é alguém muito<br />
conhecido na Al<strong>em</strong>anha, com um<br />
grande percurso, e percebi que era<br />
um projecto totalmente credível. Ain<strong>da</strong><br />
b<strong>em</strong> que o fiz<strong>em</strong>os.”<br />
Ricardo Villalobos t<strong>em</strong> 40 anos.<br />
Nasceu <strong>em</strong> Santiago do Chile, tendo<br />
partido para a Al<strong>em</strong>anha com a família<br />
na sequência do golpe de Estado<br />
do General Pinochet. O pai é mat<strong>em</strong>ático.<br />
E esse facto parece tê-lo marcado.<br />
“A minha relação com a música,<br />
num primeiro instante, é muito intuitiva”<br />
diz, “trata-se de procurar sons<br />
que sejam inteligíveis para mim e<br />
combiná-los, mas a partir de determina<br />
altura o que me interessa é restringir,<br />
seleccionar e reduzir e isso é um<br />
processo mais pensado. Mat<strong>em</strong>ático,<br />
talvez.”<br />
Na última meia dúzia de anos, principalmente<br />
depois do álbum “Alcachofa”<br />
(2003), construiu uma identi<strong>da</strong>de<br />
sonora vinca<strong>da</strong>. Um híbrido<br />
tecno e house, profundo e narcótico,<br />
onde existe um toque sul-americano,<br />
ao nível dos pormenores percussivos.<br />
No seu caso não se trata de exotismo.<br />
A sua perspectiva não é a fusão. É<br />
criar um ver<strong>da</strong>deiro corpo colorido,<br />
reconvertendo-o <strong>em</strong> figuras digitais<br />
que iluminam uma espécie de melancolia<br />
tecno.<br />
Compara a sua activi<strong>da</strong>de à de um<br />
percussionista. Este, quando está <strong>em</strong><br />
palco, deve saber estar no seu lugar,<br />
ouvir <strong>em</strong> redor e mu<strong>da</strong>r de intensi<strong>da</strong>de<br />
ao perceber uma sensibili<strong>da</strong>de<br />
comum. “Na minha música acontece<br />
o mesmo. Todos os sons parec<strong>em</strong> des<strong>em</strong>penhar<br />
o mesmo papel, mas lentamente<br />
vão-se modificando, contribuindo<br />
para a criação de um novo<br />
edifício.”<br />
Hedonismo ou nostalgia<br />
O chileno é alguém que é capaz de<br />
provocar a festa na pista de <strong>da</strong>nça.<br />
Nos últimos dez anos raros foram os<br />
fins-de-s<strong>em</strong>ana passados <strong>em</strong> casa,<br />
tal a abundância de convites para<br />
actuar <strong>em</strong> todo o mundo. Agora está<br />
mais selectivo. “Continuo a adorar<br />
a minha activi<strong>da</strong>de, mas também<br />
gosto de estar com a família e os amigos,<br />
para além do estúdio. Por isso<br />
tento limitar as viagens longas, ca<strong>da</strong><br />
vez mais. Mas por uma boa festa,<br />
porque não?”<br />
Mas a sua música não se restringe<br />
à funcionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>nçante. <strong>Em</strong> álbuns<br />
como “Thé Au Harém D’Archimede”<br />
(2004), “Fizheuer Zieheuer” (2006),<br />
“Fabric 36” (2007) ou “Vasco” (2008)<br />
existe espaço para muitas variações.<br />
Sim, o minimalismo electrónico está<br />
quase s<strong>em</strong>pre no centro dos acontecimentos,<br />
mas a rodear essa movimentação<br />
há detalhes, microrganismos<br />
imperceptíveis e climas letárgicos<br />
que nos transportam para zonas desconheci<strong>da</strong>s.<br />
Às vezes é uma música que convi<strong>da</strong><br />
ao hedonismo. Outras vezes parece<br />
ser apenas a ban<strong>da</strong>-sonora de um filme<br />
nostálgico, povoado por aeroportos,<br />
auto-estra<strong>da</strong>s, grandes superfícies,<br />
lugares ocupados por gente <strong>em</strong><br />
trânsito, solitários, isentos de vi<strong>da</strong>.<br />
Espaços de ninguém, para uma música<br />
marca<strong>da</strong> por longos períodos de<br />
cadências repetitivas a veloci<strong>da</strong>de<br />
modera<strong>da</strong>, envolvendo-nos numa trama<br />
hipnótica. “Não trabalho a partir<br />
de imagens e n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre penso especificamente<br />
na pista de <strong>da</strong>nça” diz<br />
ele. “Só depois de criar um t<strong>em</strong>a é<br />
que penso nisso.”<br />
No passado recente já criou música<br />
para filmes, no âmbito de apresentações<br />
ao vivo específicas. No futuro<br />
próximo deseja mesmo criar ban<strong>da</strong>sonoras<br />
e aproximar-se ca<strong>da</strong> vez mais<br />
do jazz. Diz que <strong>em</strong> casa ouve predominant<strong>em</strong>ente<br />
clássica e jazz, e que<br />
“Quando se ouve um<br />
velho disco de jazz<br />
é como se ouvíss<strong>em</strong>os<br />
também a sala onde<br />
foi gravado ou<br />
a respiração dos<br />
músicos. Gosto dessa<br />
pureza, desse<br />
reconhecimento. Essa<br />
intensi<strong>da</strong>de, na maior<br />
parte dos casos, não<br />
é consegui<strong>da</strong> hoje”<br />
Ricardo Villalobos<br />
a Internet não o seduz – “d<strong>em</strong>asia<strong>da</strong><br />
informação s<strong>em</strong> sentido”, limita-se a<br />
afirmar s<strong>em</strong>pre que o interrogam sobre<br />
o assunto.<br />
Do que gosta mesmo de falar é do<br />
som, <strong>da</strong>s suas proprie<strong>da</strong>des, <strong>da</strong>quilo<br />
que o caracteriza. Gosta de pensar<br />
que os instrumentos electrónicos pod<strong>em</strong><br />
obter o mesmo tipo de quali<strong>da</strong>de<br />
que as velhas gravações acústicas,<br />
apesar de achar que ain<strong>da</strong> não acontece:<br />
“Quando se ouve um velho disco<br />
de jazz é como se ouvíss<strong>em</strong>os também<br />
a sala onde foi gravado ou a respiração<br />
dos músicos. Gosto dessa<br />
pureza, desse reconhecimento. Essa<br />
intensi<strong>da</strong>de, na maior parte dos casos,<br />
não é consegui<strong>da</strong> hoje.”<br />
É um clássico, mas profun<strong>da</strong>mente<br />
cont<strong>em</strong>porâneo. Um purista, mas vislumbrando<br />
o que se seguirá. É enigmático.<br />
Um dos criadores mais aventureiros<br />
<strong>da</strong> música actual, compondo com<br />
essa ideia <strong>em</strong> mente: decifrar o mistério<br />
que induz as pessoas à <strong>da</strong>nça.<br />
Ricardo Villalobos<br />
O mistério <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça<br />
Haverá Richie Hawtin ou Laurent Garnier. Mas no campo <strong>da</strong> música de <strong>da</strong>nça electrónica o<br />
destaque do Festival Super Bock Super Rock será Ricardo Villalobos, o chileno que vive há<br />
muitos anos na capital al<strong>em</strong>ã e que actuará no Meco, na noite de sábado. Vítor Belanciano<br />
Ípsilon • Sexta-feira 16 Julho 2010 • 33