Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
t<strong>em</strong> a ver com uma suspeita sua<br />
<strong>em</strong> relação às imagens como<br />
estratégia de realismo, como<br />
prova irrefutável. Este livro<br />
parece dirigir-se constant<strong>em</strong>ente<br />
aos leitores, dizendo:<br />
desconfi<strong>em</strong> <strong>da</strong>s imagens.<br />
Absolutamente. Não pod<strong>em</strong>os confiar<br />
nas imagens. Como fotógrafo, sou o<br />
primeiro a dizer isso. As minhas fotografias<br />
são completamente subjectivas.<br />
Não há objectivi<strong>da</strong>de na fotografia,<br />
não existe. A maior parte <strong>da</strong>s fotografias<br />
de reportag<strong>em</strong> até há b<strong>em</strong><br />
pouco t<strong>em</strong>po eram a preto e branco.<br />
A ideia de que uma fotografia a preto<br />
e branco pode ser realista é uma mentira<br />
absoluta na qual todos nós acreditamos<br />
a certo ponto. Como é que<br />
uma fotografia a preto e branco pode<br />
ser realista e documentar a ver<strong>da</strong>de<br />
se nós v<strong>em</strong>os a cores? A partir <strong>da</strong>í,<br />
tudo é uma sucessão de mentiras. As<br />
imagens ment<strong>em</strong>, ment<strong>em</strong>, ment<strong>em</strong>.<br />
Estão s<strong>em</strong>pre a mentir.<br />
Este livro podia existir s<strong>em</strong> o<br />
texto?<br />
Não, porque as pessoas não o saberiam<br />
ler. Eu próprio não o saberia ler.<br />
Quando fui a Terezín não tinha infor-<br />
s imagens, voluntária ou<br />
de concentração é perverso<br />
mação suficiente. O que é bonito e<br />
poético nas fotografias que se expõ<strong>em</strong><br />
numa galeria de arte, <strong>em</strong> que ca<strong>da</strong> um<br />
pensa o que quiser e tira as conclusões<br />
que quiser — vê um limão ou vê um<br />
amor perdido dentro de um mesmo<br />
enquadramento —, numa fotografia<br />
de informação é perigosíssimo.<br />
Sebald não é só o ponto de<br />
parti<strong>da</strong>, é a figura tutelar de<br />
todo este projecto. O livro segue<br />
uma estratégia sebaldiana: o<br />
Sebald integra imagens nos<br />
seus livros, a par do texto, e<br />
elas adquir<strong>em</strong> uma função<br />
paradoxal: por um lado,<br />
parec<strong>em</strong> confirmar o que é<br />
descrito no texto, mas por<br />
outro instalam a incerteza no<br />
leitor, questionando a facul<strong>da</strong>de<br />
documental <strong>da</strong>s imagens.<br />
Exactamente. E aqui é ao contrário.<br />
Onde o Sebald insere uma fotografia<br />
para tentar comprovar o seu texto,<br />
eu faço o contrário: eu insiro texto<br />
para tentar comprovar ou não as minhas<br />
fotografias. No fundo, é uma<br />
estratégia paralela ao Sebald, mas<br />
contrária. Quando fiz “Sob Céus Estranhos”,<br />
não o livro, mas o filme,<br />
pouco depois peguei no primeiro livro<br />
do Sebald, que não conhecia até<br />
aí. E quase chorei por não ter conhecido<br />
o Sebald antes de fazer o filme,<br />
porque estava ali aquilo que eu procurava:<br />
essa ideia <strong>da</strong> História como<br />
uma coisa maleável, mas que se baseia<br />
<strong>em</strong> factos — os factos são inalteráveis,<br />
mas tudo o que está à volta<br />
desses factos é moldável. O que é real<br />
neste livro são os factos, isto é, o<br />
número de mortos, as pessoas que<br />
estavam, etc. Fiz pesquisa para chegar<br />
a essas conclusões. O resto pode<br />
ser ficção.<br />
Isso é ver<strong>da</strong>de <strong>em</strong> relação ao<br />
diário de Ernst K. Estão lá as<br />
fotografias do diário, mas não<br />
t<strong>em</strong>os a certeza que ele tenha<br />
existido, ou que aquele objecto<br />
seja mesmo de um senhor<br />
chamado Ernst K. E depois, o<br />
nome dele r<strong>em</strong>ete para uma<br />
figura literária: Josef K, de “O<br />
Processo”, do Kafka.<br />
Não vou responder a isso [risos]. No<br />
fundo, todo o livro podia ser uma ficção,<br />
se não soubéss<strong>em</strong>os que esta<br />
ci<strong>da</strong>de existiu. Tudo aquilo que não<br />
é facto histórico neste livro pode ser<br />
ficcionado.<br />
Como foi o seu encontro com o<br />
Sebald? Leu-o <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão, antes<br />
de sair a primeira tradução<br />
portuguesa [2004]. Quando o<br />
descobriu, foi a confirmação de<br />
um caminho que estava a fazer<br />
com o seu trabalho?<br />
Foi, de facto, alguém que eu encontrei<br />
como uma alma gémea. Alguém<br />
Ípsilon • Sexta-feira 16 Julho 2010 • 21