Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
Em busca da infância perdida em Manhattan - Fonoteca Municipal ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Livros<br />
Essas imagens pré-existentes,<br />
isola<strong>da</strong>s, têm tanto valor como<br />
as fotografias feitas por si?<br />
Nunca estive interessado na fotografia<br />
como obra única. Não me interessa<br />
uma fotografia; interessa-me uma<br />
fotografia como parte integrante de<br />
um projecto e de um contexto. Mesmo<br />
nos diários de polaróides, os<br />
“London Diaries” (feito <strong>em</strong> 1993, publicado<br />
<strong>em</strong> 1994), há fotografias que<br />
não me interessam na<strong>da</strong> como fotografias,<br />
são más fotografias, se quisermos,<br />
mas que se integram no meu<br />
discurso. Um livro de um escritor não<br />
é feito apenas de belas palavras ou de<br />
frases bonitas, é preciso outras para<br />
sustentar o “corpus” e a lineari<strong>da</strong>de<br />
do texto. Nesse sentido, to<strong>da</strong>s as fotografias<br />
serv<strong>em</strong> o mesmo fim. Haverá<br />
umas que se destacam mais do que<br />
outras de uma forma estética mas<br />
que, sozinhas, para mim, não teriam<br />
muito interesse. As fotografias não<br />
serv<strong>em</strong> para decorar paredes.<br />
E se não as isolarmos? Têm o<br />
mesmo valor para si?<br />
Claro que há um nível autoral diferente.<br />
Como peça de puzzle, como peça<br />
de livro, têm exactamente o mesmo<br />
valor. Aliás, as fotografias que eu poderia<br />
tirar <strong>da</strong>í são as minhas. A informação<br />
não se perderia. Ficaria um<br />
livro mais pobre, porque há um olhar<br />
meu nessas fotografias que lhes dá o<br />
t<strong>em</strong>po presente — a ideia de que isto<br />
é feito e visto de hoje. As minhas fotografias,<br />
no fundo, são as ruínas do<br />
t<strong>em</strong>po, são o test<strong>em</strong>unho do t<strong>em</strong>po<br />
que passou. Penso que o meu trabalho<br />
também é sobre encontrar ord<strong>em</strong><br />
num certo caos. Essas fotografias são<br />
muito isso também: fecham o espaço,<br />
para que tenhamos uma noção clara<br />
do que é o espaço. Mas, no fim, o valor<br />
de to<strong>da</strong>s elas será igual.<br />
Foi uma imag<strong>em</strong> desta sala que Blaufuks viu no livro “Austerlitz”,<br />
de Sebald., e que está na orig<strong>em</strong> de “Terezín”. O espaço pareceu-lhe<br />
encenado, “d<strong>em</strong>asiado perfeito para ser real”. Quando foi a Terezín,<br />
Blaufuks tirou esta fotografia, que está na capa do seu livro<br />
Vamos à orig<strong>em</strong> de “Terezín”.<br />
Este projecto parte de uma<br />
imag<strong>em</strong> que viu no livro de<br />
Sebald, “Austerlitz”, de um<br />
escritório estranhamente<br />
burocrático e estranhamente<br />
vazio. Esse espaço, como conta<br />
no livro, pareceu-lhe encenado,<br />
e “d<strong>em</strong>asiado perfeito para ser<br />
real”. Ou seja, o que o moveu foi<br />
a desconfiança, a suspeita <strong>em</strong><br />
relação à imag<strong>em</strong>.<br />
Sim. A imag<strong>em</strong> aparece no livro, ele<br />
não diz onde é que é, fica subjacente<br />
que pode ser <strong>em</strong> Terezín, mas, como<br />
s<strong>em</strong>pre, o Sebald não é explícito. Na<strong>da</strong><br />
no Sebald é explícito, tudo no Se-<br />
bald é coincidência sobre coincidência<br />
e quando achamos que é mentira<br />
o que ele está a dizer, ele põe-nos<br />
uma imag<strong>em</strong> que aparent<strong>em</strong>ente prova<br />
que é ver<strong>da</strong>de — como se uma imag<strong>em</strong><br />
não pudesse ser também uma<br />
mentira. Essa imag<strong>em</strong> é to<strong>da</strong> uma<br />
espécie de encenação. Como eu escrevo<br />
no livro, há um relógio que está<br />
parado exactamente às seis <strong>da</strong> tarde,<br />
os ponteiros estão verticais, há<br />
um lado vazio naquele espaço de escritório<br />
que, a mim, desde o início,<br />
me l<strong>em</strong>brou uma peça de teatro. Foi<br />
isso que me provocou mais estranheza<br />
dentro <strong>da</strong>quela sala. Foi uma curiosi<strong>da</strong>de<br />
que fui tendo até que deci-<br />
t<strong>em</strong>po que passou. O que estou à procura talvez seja do que está debaixo de água<br />
Ípsilon • Sexta-feira 16 Julho 2010 • 19