Legado Social do Pan 2.indd - Observatório de Favelas
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12 Diagnóstico <strong>Social</strong> e Esportivo <strong>de</strong> 53 <strong>Favelas</strong> Cariocas<br />
<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> or<strong>de</strong>namento territorial e ambiental<br />
<strong>do</strong> espaço urbano. O pressuposto é<br />
que as favelas “só existem porque o Esta<strong>do</strong><br />
e a socieda<strong>de</strong> foram fracos e pouco incisivos<br />
na <strong>de</strong>marcação <strong>do</strong>s territórios <strong>do</strong>s pobres”<br />
(Silva e Barbosa, 2005: 100).<br />
a remoção <strong>de</strong> favelas como ação <strong>do</strong><br />
esta<strong>do</strong> e lógica <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />
Em quase to<strong>do</strong> o século XX, a lógica<br />
da ação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público em relação às<br />
diferentes formas <strong>de</strong> habitação popular foi<br />
a higienista 6 , segun<strong>do</strong> a qual mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong><br />
políticas públicas foram planeja<strong>do</strong>s e implementa<strong>do</strong>s<br />
para resolver o “problema” 7 . Tal<br />
lógica quase sempre trazia consigo o <strong>de</strong>sejo<br />
pela erradicação, remoção ou contenção <strong>do</strong>s<br />
espaços populares, como por exemplo:<br />
• Na reforma urbana empreendida<br />
pelo prefeito Pereira Passos (1 02-1 06),<br />
quan<strong>do</strong> os cortiços foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />
“habitações imundas, nojentas e asquerosas<br />
pocilgas, sem ar nem luz, e sempre encharcadas<br />
<strong>de</strong> lo<strong>do</strong> e porcaria”, e sugeria-se o<br />
<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> suas populações “para os<br />
arre<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> em pontos on<strong>de</strong> passem<br />
trens e bon<strong>de</strong>s” (Leeds e Leeds, 1 78);<br />
• No plano urbanístico <strong>do</strong> engenheiro<br />
Alfred Agache (1927), que <strong>de</strong>screve<br />
a favela como uma lepra ameaça<strong>do</strong>ra para<br />
o corpo urbano (apud. Zaluar, 1 8). Não<br />
implementa<strong>do</strong>, o Plano Agache propunha a<br />
transferência da população favelada para as<br />
áreas periféricas industriais, pois ela <strong>de</strong>sfrutava<br />
<strong>de</strong> uma “liberda<strong>de</strong> individual ilimitada”,<br />
que criava problemas tanto “sob o ponto<br />
<strong>de</strong> vista da or<strong>de</strong>m social e da segurança,<br />
como sob o ponto <strong>de</strong> vista da higiene geral<br />
da cida<strong>de</strong>, sem falar da estética” (i<strong>de</strong>m);<br />
• Durante a vigência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Novo,<br />
pelo Código <strong>de</strong> Obras <strong>de</strong> 1 388 e o relatório<br />
intitula<strong>do</strong> “Esboço <strong>de</strong> um plano para o estu<strong>do</strong><br />
e solução <strong>do</strong> problema das favelas no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro” (1 40), elabora<strong>do</strong> pelo médico<br />
Vitor Tavares <strong>de</strong> Moura. Esse relatório<br />
propõe a eliminação das favelas, o controle<br />
da entrada no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> indivíduos<br />
<strong>de</strong> chamada baixa condição social, o retorno<br />
para os esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> origem, a fiscalização<br />
severa das leis que proíbem a construção <strong>de</strong><br />
casebres, a fiscalização <strong>do</strong>s indivíduos acolhi<strong>do</strong>s<br />
pelas instituições <strong>de</strong> amparo, campanhas<br />
educativas para os mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> favelas,<br />
para corrigir hábitos e incentivar escolha <strong>de</strong><br />
6 Na lógica higienista as favelas são vistas como ambientes insalubres, propícios à proliferação <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças, e os mora<strong>do</strong>res são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />
sujos, sem noções <strong>de</strong> higiene, carecen<strong>do</strong> <strong>de</strong> hábitos civiliza<strong>do</strong>s. O discurso da higiene também é o <strong>de</strong> policiar, da prática<br />
<strong>de</strong> uma meldicina urbana (Focault), é um exemplo <strong>de</strong> como a questão da saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser utilizada para controlar os indivíduos.<br />
Típico <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século XX, esse discurso sustenta ações <strong>de</strong> cunho sanitário como as intervenções urbanísticas, mas também o<br />
<strong>de</strong>sejo e a prática <strong>de</strong> remoções, uma vez que as favelas são tomadas, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista estético e higiênico, como prejudiciais à<br />
cida<strong>de</strong>. Trata-se também <strong>de</strong> uma das gran<strong>de</strong>s fontes <strong>de</strong> políticas assistencialistas e clientelistas.<br />
7 Dentre as ações para as favelas <strong>de</strong>stacam-se, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com alguns autores (Parisse, 1 6 ; Valladares, 1 78; Valla, 1 86; Burgos,<br />
1998), aquelas implementadas entre 1946 e 1962, quan<strong>do</strong> o assistencialismo cristão emergia com a Fundação Leão XIII, passan<strong>do</strong><br />
pela Cruzada São Sebastião, que agia como uma espécie <strong>de</strong> interlocutor <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res da favela junto ao Esta<strong>do</strong>, e pelo SERFHA,<br />
que buscava uma cooptação mais explícita das associações <strong>de</strong> mora<strong>do</strong>res. Entre 1962 e 1979, a política remocionista foi realizada<br />
por sucessivos governos. Em 1 80, até os dias <strong>de</strong> hoje, a partir da re<strong>de</strong>mocratização, a dinâmica clientelista ganha força com os<br />
pequenos favores eleitoreiros <strong>de</strong> políticos fisiológicos.<br />
8 Segun<strong>do</strong> Valla (1986),“se o Código <strong>de</strong> Obras foi por um la<strong>do</strong> o primeiro reconhecimento legal das favelas, teve como finalida<strong>de</strong><br />
a sua limitação. Novamente surge o impedimento legal como solução <strong>do</strong> problema da habitação, pois proibia a construção <strong>de</strong><br />
novas casas ou a realização <strong>de</strong> qualquer melhoria nas casas existentes. Simultaneamente, se oferecia como solução a substituição<br />
por núcleos <strong>de</strong> habitação <strong>do</strong> tipo mínimo e a construção <strong>de</strong> habitações proletárias”.<br />
volume 2