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DE QUEM A CULPA?<br />
Gavin Bryars afunda-se num «Titanic» contemporâneo.<br />
Contemporâneo de mim, pelo menos. Dele,<br />
que o escreveu (ou compôs) há anos, talvez não.<br />
Nunca saberei falar de música. Falo da música<br />
como falo de mim, como se isso fosse exequível.<br />
Será possível? Como dizer a passagem?<br />
Se passa e não fica, diria agora Montaigne.<br />
Tanta erudição, ou apelos a outros, deixa-me<br />
um pouco desconfiado. Afunda-me, não na música,<br />
mas talvez no que se chama a realidade do irreal.<br />
Desce nas águas profundas do oceano profundo<br />
o barco que não deveria afundar-se. Ouvi o último<br />
CD de Bob Dylan. Uma canção é dedicada<br />
à tragédia do que aconteceu há muito. Há muito?<br />
O que é o tempo? O que é a tragédia?<br />
Algo, aparentemente, se afunda, e ignora-se o quê!<br />
Penso, numa atrevida analogia, será o Ocidente?<br />
Será uma civilização? Não pode ser. As civilizações<br />
passam, dão lugar e tempo a outras civilizações,<br />
não se afundam. Afastam-se no horizonte.<br />
Nada disto é barco ou navio, mas poderei dizer<br />
que não navego? Tenho que dizer que só escrevo?<br />
Isto? Isto, agora e aqui? É bem possível.<br />
Boiar à tona em águas frias não quer dizer<br />
que se vai sobreviver. Sobrevive-se pela sorte.<br />
Alguns dos passageiros conseguiram sobreviver.<br />
Nada mais fazemos, os que vivem, hoje como ontem,<br />
que sobreviver. «Subviver» seria um verbo<br />
mais apropriado. E «sobviver» talvez ainda mais,<br />
que é o azar da maior parte das populações da terra.<br />
6/12/2012<br />
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