BATOLOGIA Um sentimento estúpido, sentir, como ele julga que sente, que nada foi pensado no muito que ele quis sentir ao longo da sua vida. Pior, ele está convencido que não sabe o que é sentir. Às vezes, diante da televisão, vendo um filme, na fluidez de uma cena, escutando um diálogo, acontece-lhe que uma emoção o sacode num ritmado e sincopado choro, como se houvesse, algures na sua história, vivida ou imaginada, uma razão antecedente, uma cena verdadeiramente primitiva. Será isso, pergunta ele a si próprio, num decoro de uma vulnerabilidade sigilosa, sentir? O que acontece diante dos seus olhos será a memória, abrupta e involuntária, de alguma coisa que lhe aconteceu num há muito de que não se lembra? Ou esse acontecimento, essa situação lhe é, sabe-se lá porquê, inata? Mas ele, é sabido, não acredita em reminiscências mais ou menos platónicas. Não acredita na existência de outros mundos. Anteriores ou posteriores ao mundo em que nasceu, viveu, vive, e irá morrer. Ele não compreende, nunca compreendeu esses paroxismos emocionais. Essas vibrações corporais, essas subidas a si mesmo, ou mesmo, inventando uma outra disposição do sentido, a si outro, como lava de um vulcão quase sempre adormecido. Porém, reflectindo com um vagar imperturbável, chega por vezes à conclusão que esse fenómeno não tem nada a ver com uma experiência vivida num remoto passado nem nada a ver com uma premonição chegada do futuro. Mas tem tudo a ver, incompreensivelmente, com a ideia de um desejo de mundo. De um outro mundo neste mesmo mundo. Como se essas imagens percepcionadas nesses filmes ocasionais e datados trouxessem nelas as estranhas manifestações de uma ausência fazendo tudo para se presentificar. Daí que, depois desses choros convulsos, a pergunta que se lhe oferece em espanto é sempre a mesma: Será que eu existo? Ou, formulada de uma maneira mais simples: Será que eu nada mais sou do que a presença enigmaticamente real de uma ausência irreconhecível e sem verdadeiro mundo? 8/10/2012 58
TERCEIRA PARTE
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