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SUOR DO TÉDIO<br />
O que eu sofri por causa deste livro! Não pela sua possível<br />
mediocridade, mas pelas gralhas que o desfearam irremediavelmente.<br />
Ou, melhor ainda, pelas palavras que não dominava<br />
na minha ortografia um pouco regional, mais sonora do que<br />
visual. O mesmo engulho sofri-o mais tarde, mas dessa vez<br />
tratava-se mesmo de gralha. Falo do livro O Romance Contemporâneo,<br />
onde Goethe aparece completamente desfigurado<br />
no inexpressivo e imperdoável Gothe. Isto no romance talvez<br />
mais revolucionário (se a palavra ainda faz algum sentido!) do<br />
século XX português, por razões que não são agora pertinentes<br />
elucidar ou discutir. Mas o livro que ganha a todos no que<br />
respeita a gralhas, ao ponto de se ter colocado no fim uma<br />
folha contendo a lista de correcções, foi sem dúvida o intitulado<br />
75 Sonetos. Um desastre irremeável. Não é que esteja<br />
agora ainda imune a este fenómeno ortográfico. Sempre escrevi,<br />
mas agora corrijo-me, réstea em vez de réstia. É a orelha<br />
que me atraiçoa, a mim, músico que gostaria de ser, se a<br />
vocação fosse realmente um facto. Mas não só. Também a<br />
ignorância fecunda da língua portuguesa. Por exemplo (voltando<br />
ao S. do T., texto 1): no passo “ressumem a um sinal<br />
tredo”, deveria constar “ressumam um sinal tredo”. O verbo<br />
não é um ressumir inexistente, e, de qualquer modo, ressumar<br />
não tem regência. A grafia “caquético”, erro muito comum na<br />
época em que escrevi o livro, deveria ser “caquéctico”, segundo<br />
o dicionário, mas talvez os acordos recentes concernindo a<br />
língua portuguesa lhe tenham retirado, temporariamente, já<br />
que nada há de definitivo, esse cê maldito. No mesmo texto,<br />
ainda irrompe um incrédulo “estrépido” por “estrépito”. Mas<br />
basta de tanta desgraça. Falemos agora do título do livro.<br />
Sempre o achei demasiado baudelairiano. Aquele tédio, infelizmente<br />
salazarento para a minha jovem pessoa, poder-nos-ia<br />
remeter para o século XIX de um mais ou menos deturpado<br />
spleen inglês invadindo a língua francesa. A achega que lhe<br />
imprimi, o suor, é contudo da minha lavra. Nele introduzo a<br />
fisicalidade da pele, dos poros, da Porética avant la lettre.<br />
15/11/2012<br />
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