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<strong>LOGO</strong>CATAFORESE<br />

Que bom, medita ele, poder-se pensar o que quer que seja, poder-se<br />

consentir que qualquer disparate se possa alojar na deriva<br />

do pensamento. Que bom! Sem se ter que fazer a tentativa<br />

de nos iludirmos com a precaução pretensiosa da lucidez.<br />

Ah, levar a cabo a responsabilidade de um irrespondível, trazer<br />

ao cimo, à tona, o que deseja fazer parte do real, da consciência.<br />

Que bom, ser da estupidez o seu elo, o seu laço, o seu<br />

traço mais fulgurante. Ele ri como um perdido. Ri como se o<br />

mundo não pudesse ser, por imbecilidade impotente dele próprio,<br />

um mundo. Achando contudo que a vida, se não fala,<br />

exige de quem vive uma prática sem compromissos, a acção<br />

inesgotável de feitos tornando-se factos, acontecimentos, ocasiões,<br />

e, por que não, abismos. Descidas. Quedas. Ah, o lodo!<br />

O amálgama! A caldeira onde a χώρα eclodisse numa deiscência<br />

material, imanente, e, se possível, histórica. A história<br />

da humanidade seria possivelmente outra. Ri, quase comovido,<br />

do que se atreve a pensar que é um pensamento pensando-se,<br />

ri na abreviatura de uma breve e esporádica, provisória<br />

e improvisada solução. Que bom, que bom, cair na experiência<br />

de uma ilegível lei, de uma leitura incapaz de se coadunar<br />

com as razões do sentimento, do sentido. Não saber o que está<br />

a elucubrar. Não saber. Não ignorando porém os perigos de<br />

tal atitude. Mas às vezes há um desejo inesperado de loucura,<br />

ir ao fundo, ir ao fundo, sentir que a vida não é só um nascer e<br />

um morrer, sentir que há em haver um ser indiferente ao nada<br />

das dicotomias inefáveis, sentir-se ser sem agravos, e depois,<br />

mais calmo, mais sereno, sentir que não há nem nunca houve<br />

um fundo ou um cimo, um alto ou um baixo, mas apenas o<br />

horizonte do indelével acaso passando como um desvelo do<br />

incomensurável desafio, seja ele qual for. Para quê, pois, a resistência?<br />

Ir, pensa ele despedido, ir, soletrando alegremente<br />

cada passo que se dá, cada dia que se vive, sentindo tudo, o<br />

bem e o mal, a dor e o prazer, o amor e o ódio. Mas será possível,<br />

ao que quer que seja, auferir de qualquer poder?<br />

4/10/2012<br />

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