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CONVERSAÇÃO ACUSMÁTICA<br />

Mas alguns amigos convictos, inteligentes, dizem-lhe, não é<br />

nada disso. Não há deuses novos nem velhos. Há apenas milhões<br />

e milhões de investidores. Que somos, de uma maneira<br />

ou de outra, nós. Nós, os que criamos bancos pensando estarmos<br />

a resolver os problemas da humanidade, do mundo, das<br />

nossas vidas. Bancos, repetem, como se proferissem uma evidência<br />

quase material. E concluem, carinhosos e condescendentes,<br />

não percebes nada do que se passa, és um ingénuo.<br />

Mas então, pergunta ele, por que não se acaba com os bancos?<br />

Que nós, que amarras, que grilhetas nos ligam ainda a tal<br />

monstruosidade abusiva? Aí, eles, os seus amigos, introduzem-se<br />

num silêncio conspícuo, mãos amarfanhando os cabelos<br />

das cabeças esclarecidas. E alguns replicam, não compreendes<br />

o que é o capitalismo. Viveste sempre num ir e vir do<br />

local do teu emprego, trabalhaste em ocupações fáceis, amealhaste<br />

até alguns tostões (e isso é, já agora, uma faceta do<br />

capitalismo, informam-no eles num parêntesis, como se dominassem<br />

uma matéria inalcançável, profunda, enigmática). O<br />

capital é-lhe pois um mistério. Um mistério contemporâneo.<br />

Qual mistério?, qual mistério?, lá estás tu a resvalar para as<br />

filosofias baratas, insistem eles, o capital é a realidade, mais, é<br />

o real de hoje, de agora, do presente. O que economizaste dia<br />

a dia, estupidamente, faz parte da economia. E a economia é<br />

tudo. Aí sim, poderemos concordar contigo, se contemporizarmos<br />

com as tuas ficções alienantes. A economia é deus.<br />

Omnipresente, omnipotente. Não uma alegoria, não um símbolo,<br />

não uma metáfora. Deus é uma enorme máquina comandando<br />

os destinos do mundo, das pessoas, das actividades, das<br />

energias. E nós, quer se queira quer não, somos maquinarias<br />

ao serviço do capital. Tens que compreender, nunca fomos,<br />

mas nunca, seres humanos. O mal separou-nos da natureza.<br />

Nada mais fazemos de que obedecer, no fundo, à máquina que<br />

existe dentro de nós. Chamaram-lhe, a isso, outrora, alma.<br />

2979/2012<br />

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