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COM NATURALIDADE<br />
Espectáculo terrível, ver as árvores<br />
plantadas este inverno amarfanhadas pelo sol.<br />
Uma dor. Um desgaste. Uma absurda<br />
incompreensão. A realidade é isto?<br />
Sentir que alguma coisa tem que ser feita.<br />
A mangueira longa como uma obsessão<br />
desce ao terreno gretado. Água, desvelos<br />
de água no chão. Círculos. Espasmos.<br />
Primeiro as videiras. Depois as tangerineiras.<br />
Depois os marmeleiros. Depois, por fim,<br />
as laranjeiras, as mais sofridas. Não esquecer<br />
a fileira de canas que formam um vê.<br />
É preciso proteger do vento norte, salgado,<br />
esta vegetação periclitante. O quadrado<br />
é um socalco inexpressivo num chão<br />
removido pela máquina. Uma experiência.<br />
Um sol contíguo à pele, fazer do trabalho<br />
o menor tempo possível. Como? Como?<br />
Se há ainda regas a fazer. Um dever, último,<br />
atém-se à mangueira como um carinho.<br />
Não há amor que seja tão constante.<br />
A terra não mente. Sofre contingências<br />
no mesmo sentido que a humanidade.<br />
Nada promete no que às vezes oferece.<br />
Marmelos pendem como sóis seduzidos<br />
pela miragem. Estarão já maduros?<br />
Nenhuma mão será capaz de dizê-lo.<br />
Há mistérios, vivê-los com naturalidade.<br />
6/9/2012<br />
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