A emergência do feminismo de Estado em Portugal

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Prefácio Diz-se do prefácio que é a parte da publicação que ninguém lê. Vou, por isso, aproveitá-la para confidenciar algumas lembranças que a narrativa disponibilizada pela autora me actualizaram. Já na condição de aprendiz de Sociologia, ofereci-me um dia para elaborar um trabalho para a avaliação da disciplina de demografia, onde se estudam os factores que influenciam os comportamentos reprodutivos. Tinham nesse ano, 1976, sido publicados uma série de Cadernos da Condição Feminina – quatro de uma só vez – sobre a Discriminação contra a Mulher no Direito da Família, a Participação das Mulheres na Vida Sindical, Cívica e Política, a Situação Demográfica da População Feminina em Portugal e a Situação de Trabalho das Mulheres Portuguesas. Há quem se descubra feminista a ler O Segundo Sexo da Simone de Beauvoir aos treze anos. Eu descobri-me a fazer aquele trabalho, tão impressionada fiquei com as injustiças reveladas naqueles pequenos cadernos em tamanho A4, com capa de cor baça e uma encadernação pouco segura. Não ouso ir tão longe e afirmar que também me descobri socióloga nessa mesma vivência de certo modo fundadora, mas sei que nunca mais deixei de tentar compreender os fundamentos dessas injustiças. A laboriosa curiosidade da excelente investigadora que a Rosa Monteiro é levou-nos, porém, muito para além da anamnese de processos pessoais de conversão. Na verdade, ela permitiu clarificar as motivações do Estado Novo para a criação de um “Grupo de Trabalho para a Definição de uma Política Nacional Global acerca da Mulher”, com a empreitada, no mínimo paradoxal, de mexer num dos pilares da sua trilogia fundadora – Deus, Pátria e Família. Confirmou-nos ainda que, como tantas vezes acontece, também o processo histórico que levou à criação da Comissão da Condição Feminina começou por nascer na dedicação convicta de alguém. Neste caso, esse alguém foi sem dúvida Maria de Lourdes Pintasilgo, mais uma vez aqui revelada como mulher grande construtora de cidades futuras e como exímia política que sabia muito bem como legitimar as suas propostas de mudança social, socorrendo-se dos seus vastos conhecimentos do mundo. Regressada de uma missão na ONU, soube como despolitizar a questão da erradicação das discriminações contra as mulheres, enquadrando-a na acção racional em prol do desenvolvimento económico e social. 5
6 A narrativa de que aqui se dá conta ajuda-nos ainda a re/conhecer melhor algumas pessoas, sobretudo mulheres, que ainda hoje ocupam posições de destaque na nossa sociedade, e a entender melhor a matriz de relações sociais em que o Feminismo de Estado se desenvolveu. Escusadas mais palavras para dizer da satisfação e dos benefícios que se retiram da leitura que a Rosa Monteiro nos propõe. Virgínia Ferreira Coimbra, Setembro de 2010
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