ANDRADE, Carlos Drummond - A Rosa do Povo.pdf - Colégio Dom ...
ANDRADE, Carlos Drummond - A Rosa do Povo.pdf - Colégio Dom ...
ANDRADE, Carlos Drummond - A Rosa do Povo.pdf - Colégio Dom ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Visito o banco. Para que<br />
esse dinheiro azul se algumas horas<br />
mais, vem a policia retirá-lo<br />
<strong>do</strong> que foi meu peito e está aberto?<br />
Mas não me vejo corta<strong>do</strong> e ensangüenta<strong>do</strong>.<br />
Estou limpo, claro, níti<strong>do</strong>, estivai.<br />
Não obstante caminho para a morte.<br />
Passo nos escritórios. Nos espelhos,<br />
nas mãos que apertam, nos olhos míopes, nas bocas<br />
que sorriem ou simplesmente falam eu desfilo.<br />
Não me despeço, de nada sei, não temo:<br />
a morte dissimula<br />
seu bafo e sua tática.<br />
Almoço. Para quê? Almoço um peixe em ouro e creme.<br />
É meu último peixe em meu último<br />
garfo. A boca distingue, escolhe, julga,<br />
absorve. Passa música no <strong>do</strong>ce, um arrepio<br />
de violino ou vento, não sei. Não é a morte.<br />
É o sol. Os bondes cheios. O trabalho.<br />
Estou na cidade grande e sou um homem<br />
na engrenagem. Tenho pressa. Vou morrer.<br />
Peço passagem aos lentos. Não olho os cafés<br />
que retinem xícaras e ane<strong>do</strong>tas,<br />
como não olho o muro <strong>do</strong> velho hospital em sombra.<br />
Nem os cartazes. Tenho pressa. Compro um jornal. É pressa,<br />
embora vá morrer.<br />
O dia na sua metade já rota não me avisa<br />
que começo também a acabar. Estou cansa<strong>do</strong>.<br />
Queria <strong>do</strong>rmir, mas os preparativos. O telefone.<br />
A fatura. A carta. Faço mil coisas<br />
que criarão outras mil, aqui, além, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.