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ANDRADE, Carlos Drummond - A Rosa do Povo.pdf - Colégio Dom ...

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Comprometo-me ao extremo, combino encontros<br />

a que nunca irei, pronuncio palavras vãs,<br />

minto dizen<strong>do</strong>: até amanhã. Pois não haverá.<br />

Declino com a tarde, minha cabeça dói, defen<strong>do</strong>-me,<br />

a mão estende um comprimi<strong>do</strong>: a água<br />

afoga a menos que <strong>do</strong>r, a mosca,<br />

o zumbi<strong>do</strong>... Disso não morrerei: a morte engana,<br />

como um joga<strong>do</strong>r de futebol a morte engana,<br />

como os caixeiros escolhe<br />

meticulosa, entre <strong>do</strong>enças e desastres.<br />

Ainda não é a morte, é a sombra<br />

sobre edifícios fatiga<strong>do</strong>s, pausa<br />

entre duas corridas. Desfalece o comércio de ataca<strong>do</strong>,<br />

vão repousar os engenheiros, os funcionários, os pedreiros.<br />

Mas continuam vigilantes os motoristas, os garçons,<br />

mil outras profissões noturnas. A cidade<br />

muda de mão, num golpe.<br />

Volto à casa. De novo me limpo.<br />

Que os cabelos se apresentem ordena<strong>do</strong>s<br />

e as unhas não lembrem a antiga criança rebelde.<br />

A roupa sem pó. A mala sintética.<br />

Fecho meu quarto. Fecho minha vida.<br />

O eleva<strong>do</strong>r me fecha. Estou sereno.<br />

Pela última vez miro a cidade.<br />

Ainda posso desistir, adiar a morte,<br />

não tomar esse carro. Não seguir para.<br />

Posso voltar, dizer: amigos,<br />

esqueci um papel, não há viagem,<br />

ir ao cassino, ler um livro.

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